Orlando Costa Filho
Estou largado como um jacaré-açu
a bocejar na beira do barranco
com uma borboleta vermelha pousada
[na cabeça.
Tenho árvores ao meu redor
seus mil braços me acenam
no hálito silvestre desse fim de tarde.
Inspiro, você se aproxima
expiro, se afasta
então inspiro e prendo o ar
mas tendo que respirar
logo logo, outra vez, você se vai...
Espirro porque Deus está cachimbando
vejo nuvens no céu quase a jogar
suas águas sobre minha couraça
e você nesse chove não molha
vem............................. vai,
vem..............................vai,
vem..............................vai...
Mas
vento vem venta vara veloz
levanta a saia da tarde
um olho de piranha passa próximo à margem
quer trocar figurinha - tô nem aí
deixo o pau cantar
o barco correr
a araponga gritar.
Já vejo o Altíssimo chorar
comovido com meu estado de réptil voando
a dar chibatadas com a longa cauda
na bunda do tempo que passa e devassa a mata
(esse sândalo me arrebata!)
Continuo largado como um jacaré-açu
a bocejar esticado no barranco
com uma borboleta - agora azul - pousada
[na cabeça
aguardando o fim da viagem
saboreando a vertigem
adorando a miragem
será que sou um ácido? não
será que sou um avião? não
sou delicadamente desajustado
esperando sobreviver ao próximo outono
e exibir meus olhos
como duas lanternas acesas
lado a lado no escuro...
ocf