PROSAS EM VERSOS

SER POETA, É SENTIR AFLORAR DA PELE SENSIBILIDADE, É OUVIR O GRITO DOS QUE NADA DISSERAM, É VER POR UMA GAMA DE CORES INVISÍVEIS À MACROSCÓPICA VISÃO DOS INSENSÍVEIS, É PENETRAR IMPIEDOSAMENTE À ALMA HUMANA.

sábado, 11 de agosto de 2012

Gotas serenas



Fátima Custódio




Escutei o mar 
e senti as gotas
das ondas
serenas 
...na alma
na alma que
que quero
e preciso
que seja serena
nas gotas
que me salpicam 
de mar
e de amor!

Fátima Custódio

AS MÃOS DE MEU PAI



NOSSA HOMENAGEM A TODOS OS PAIS E POETAS DO GRUPO...



As tuas mãos tem grossas veias como cordas azuis
sobre um fundo de manchas já de cor de terra
- como são belas as tuas mãos

pelo quanto lidaram, acariciaram ou fremiram da
nobre cólera dos justos
Porque há nas tuas mãos, meu velho pai, essa beleza
que se chama simplesmente vida.
E, ao entardecer, quando elas repousam nos braços
da tua cadeira predileta,
uma luz parece vir de dentro delas...
Virá dessa chama que pouco a pouco, longamente,
vieste alimentando na terrível solidão do mundo,
como quem junta uns gravetos e tenta acendê-los
contra o vento?
Ah! Como os fizeste arder, fulgir, com o milagre das
tuas mãos!
E é, ainda, a vida que transfigura das tuas mãos nodosas...
essa chama de vida – que transcende a própria vida
...e que os Anjos, um dia, chamarão de alma.

Mario Quintana



Simultaneidade



Maria Salete Ariozi





Eu amo o mundo!
Eu detesto o mundo! 
Eu creio em Deus! 

Deus é um absurdo!
Eu vou me matar! 
Eu quero viver!
- Você é louco?
- Não, sou poeta.

Mario Quintana

Serpenteias teu corpo




Jorge Morais


serpenteias teu corpo
qual cobra rastejando
nesta areia onde me deito
ilusão espelhada

marés vivas
na imaginação fértil
de tanto sucumbir 
deitado
olho sobre o nada
um murmúrio ensurdecedor
cuja procura se rflete
nas coisas inacabadas
são tesouros as palavras
que se semeiam 
no areal

jorge morais

Deus



Mô Schnepfleitner




À noite, há um ponto do corredor
em que um brilho ocasional faz lembrar
um pirilampo. Inclino-me para o apanhar
- e a sombra apaga-o. Então,
levanto-me: já sem a preocupação
de saber o que é esse brilho, ou
do que é reflexo.
Ali, no entanto, ficou
uma inquietação; e muito tempo depois,
sem me dar conta do motivo autêntico,
ainda me volto no corredor, procurando a luz
que já não existe.

Nuno Júdice, 
in "Meditação sobre Ruínas"

Meu Deus, me dê a coragem



Maria Salete Ariozi




Meu Deus, me dê a coragem de viver trezentos e sessenta e cinco dias e noites, todos vazios de Tua presença. Me dê a coragem de considerar esse vazio como uma plenitude. Faça com que eu seja a Tua amante humilde, entrelaçada a Ti em êxtase. Faça com que eu possa falar com este vazio tremendo e receber como resposta o amor materno que nutre e embala. Faça com que eu tenha a coragem de Te amar, sem odiar as Tuas ofensas à minha alma e ao meu corpo. Faça com que a solidão não me destrua. Faça com que minha solidão me sirva de companhia. Faça com que eu tenha a coragem de me enfrentar. Faça com que eu saiba ficar com o nada e mesmo assim me sentir como se estivesse plena de tudo. Receba em teus braços meu pecado de pensar.

Clarice Lispector

Um Poema , Um recado




Orlando Costa Filho




De tardezinha a mesa... o jarro... as flores...
À noitinha a música... cálices... dúvidas...
Seus olhos o medo... cale-se... súplicas...
O dia inteiro são horas de amoras & iras,
cheio de toques de tiques e de ataques.

A sina a sanha a senha o sonho...
rede & moinho
aí quase tudo em vão aflora!

Somos dueto espumante no mar no vento
à parte a porta – por onde chegamos
por onde partimos
e a chuva adentra...

Um coração que não se abre se fecha e se parte
o outro soluça de luto, chora soçobra...
A cama arrumada adoece no coma
a mesa é agora sem jarro sem flores...

A gente não escapa das dores
que singram e sangram no rastro,
e os amores qual flores viçosas não passam
de cores tangíveis na tela da vida insondável.

A tequila esperta do seu beijo me embriaga!
Qui-la inteira, no peito na eira e na beira
da língua do mar que nos lambe na areia
até o último instante em que o enlace desata.

E já dor, a persigo no seu rastro...
Incansável, espero o tempo que for preciso
e esse tempo - parece até sacanagem - é impreciso!

Lágrimas escorrem me lambem a face e
por mais salgadas que sejam me deixam
é estranho, mas algo de doce na alma.

Não se vá, pássara errante! Já que está fique
nesse coração. Nele há sol mar pomar
e as fruteiras haverão de estar
sempre carregadas pra você.

Das flores no jarro que estavam na mesa
e agora na tarde vazia dão seus últimos suspiros
na janela do caseiro, tomarei as cores darei uma demão
no poema que ainda estamos pintando...

Por derradeiro, se você me pedir algo do tipo
"se me ama de verdade, por favor me esqueça"
esteja certa, como prova de amor
assim o farei... Está dado o recado.

ocf

Amor e Crença




Ligia Shlochmann





Sabes que é Deus? Esse infinito e santo
Ser que preside e rege os outros seres,
Que os encantos e a força dos poderes
Reúne tudo em si, num só encanto?

Esse mistério eterno e sacrossanto,
Essa sublime adoração do crente,
Esse manto de amor doce e clemente
Que lava as dores e que enxuga o pranto?

Ah! Se queres saber a sua grandeza 
Estende o teu olhar à Natureza, 
Fita a cúpula do Céu santa e infinita!

Deus é o Templo do Bem. Na altura imensa, 
O amor é a hóstia que bendiz a crença, 
Ama, pois, crê em Deus e... sê bendita!

AUGUSTO DOS ANJOS.

Ainda Te Espero



Maria Salete Ariozi




Meus olhos não te esquecem
Vem amor, sacia o meu pensar.
Tenho medo de endoidecer
Sinto-me louco
Meus lábios por ti padecem
Vem amor, não consigo respirar
Tenho medo de sufocar
Em ventos quentes da tua boca
Língua louca
Que me põe rouco
Meus braços sentem teu deslizar
Vem amor, abrir-te de vontade
Saciar o meu medo, de te perder
És a fragrância do meu mar
A minha vaidade
Vem amor, preciso de te ter
Minhas pernas querem o teu calor
Pele na pele, suores unidos
Vem amor
Dançar o tango dos gemidos
Sonhar com a lua, porque não te vejo
Penetrar floresta dentro à tua procura
Vem amor, serás tudo num beijo
A minha cura
Meus sentidos em ti se apuraram
Paladar da tua seiva
Cheiro do teu suor
Tacto deslizante, como manteiga
Visão ondulante, sentido maior
Audição sussurrada
Palavras silenciadas pela tua liberdade
Menina amada
Quanta saudade

- José Alberto Sá -

Sou...







Sou um saltimbanco
Um vagabundo do tempo
Um soprador do vento
Um sonhador do verde campo
Sou um mendigo da pureza
Um calcador de caminhos
Um amaciador de linhos
Um amante da natureza
Sou um carente da saudade
Um arrumador de estrelas
Um viajante de caravelas
Um levado pela verdade
Sou o poeta da simplicidade
Do sol sou apreciador
Um louco pelo amor
Um recitador sem idade
Sou um voador do belo e bom
Um lutador contra a maldade
Um salvador da mentalidade
Um escritor e amigo de coração

José Alberto Sá

Fado do Zé Português





Aníbal Bastos




Vejo prados, vejo lavras
Ser viveiros de ervas bravas!
O que outrora era riqueza,

Hoje são matas e silvados,
Por não serem cultivados.
Onde há tanta pobreza.

Dos géneros que consumimos
Só um quinto produzimos,
O resto vem do estrangeiro!
Quem não produz o que come
Um dia vai passar fome,
Mesmo que tenha dinheiro!

A União Europeia,
Já não é uma colmeia,
Onde haja mel que sobre,
Para o nosso Portugal,
Que na união desigual,
É sempre o parente pobre!

Mas aquando da adesão,
Para nos dar formação,
E pôr o país de pé,
Veio dinheiro a rodos,
Mas não chegou para todos
E muito menos para o Zé!

Desse dinheiro enviado,
Muito dele foi empregado,
Em bem tricotadas malhas!
Fazendo do Zé, parolo
Que passou por comer bolo…
Do qual nem provou migalhas!

Diz-se que deu para comprar:
Mercedes, porche, jaguar,
Casas de campo e de praia,
Herdades no Alentejo,
Barcos, não só para o Tejo!
Outro!? …fugiu pela raia!

Será esta sina eterna…?
Ou será quem nos governa,
Nos governa sem governo!?
Enquanto o Zé infeliz,
Lá vai com o seu país,
A caminho do inferno!

A. Bastos (Júnior)

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