PROSAS EM VERSOS

SER POETA, É SENTIR AFLORAR DA PELE SENSIBILIDADE, É OUVIR O GRITO DOS QUE NADA DISSERAM, É VER POR UMA GAMA DE CORES INVISÍVEIS À MACROSCÓPICA VISÃO DOS INSENSÍVEIS, É PENETRAR IMPIEDOSAMENTE À ALMA HUMANA.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Simples Natureza




Joaquim Rodrigues




O sol irradia o chão
Deste quarto frio.
Aquecendo o meu coração
Que com a luz se abriu.

Como se o tempo parasse
E eu nem sequer reparasse,
Fico aqui sentado,
Olhando para o mesmo lado.
Olhando a luz do sol,
Ouvindo o rouxinol.

Chilreiam a toda a hora,
Os pássaros lá fora.
Mil e uma músicas cantam
Que a mim me encantam.

Existirá algo com mais beleza
Que a simples natureza?

Manuel Rosa

‎"Burguês poema-adolescente para edolescente-poema burguesa"




Ereni Wink




Tu, que és a minha burguesa preferida,
Tens sabor de uma framboesa perdida
Nos sonhos tão sentidos do real da vida
Minha, em que tu és doce, como cerzida

Em minha sensações, ah... burguesa linda...
Cerzida na dor de que certeza é finda...
Hoje, mulher do cabelo que, melindra
Sou framboesa de querê-los ainda

Como a maçã roxa de tua boca ungida
Na minha, também. Mulher, é oca e fingida
A minha vida, é louça em cacos partida
É suja, e onde não passas, triste avenida

Fotografia tua então em minha cabeça
Numa vertical ao horizonte estavas
E o teu cabelo, num multicor a beça
Era crepúsculo que o céu avermelhava

Todo o momento luz de vida tua engessa
Em mim impressões de quente lava
Que transigem em mim e fazem que esqueça
As metas de estudante só em que sonhava. 

João Paulo Cerqueira de Carvalho

Rua Deserta




Joaquim Rodrigues




Caminho pela rua deserta,
Deambulando sem pensar.
A noite quase a acabar
E a madrugada alerta…

As pessoas essas,
Desapareceram...
Por essas travessas,
Em casa adormeceram.

O som do meu andar,
Pelas paredes faz eco.
Som assustador e seco,
Como ondas do mar
Num dia violento
Com imenso vento...

Deserta está a rua,
Como estando nua...
Mas daqui a umas horas
Vestindo a roupa que adoras,
Voltará a acordar,
Para um novo dia recomeçar.
Manuel Rosa

Pobre povo


Márcia Regina Ferreira Toledo



Pobre povo desse século da pressa! Precisamos urgentemente voltar o costume “antigo” de “ter tempo”, de dar um tempo para o tempo nos mostrar quem são as pessoas.

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Seus amigos de verdade amam você de qualquer jeito.

(Luís Fernando Veríssimo)

Por uma suma


Vania Vania Oliveira






Não sei quem sou que alma tenho. Quando falo com sinceridade não sei com que sinceridade falo. Sou variamente outro do que um eu que não sei se existe (se é esses outros)... Sinto crenças que não tenho. Enlevam-me ânsias que repudio. A minha perpétua atenção sobre mim perpetuamente me ponta traições de alma a um caráter que talvez eu não tenha, nem ela julga que eu tenho. Sinto-me múltiplo. Sou como um quarto com inúmeros espelhos fantásticos que torcem para reflexões falsas uma única anterior realidade que não está em nenhuma e está em todas. Como o panteísta se sente árvore (?) e até a flor, eu sinto-me vários seres. Sinto-me viver vidas alheias, em mim, incompletamente, como se o meu ser participasse de todos os homens, incompletamente de cada (?), por uma suma de não-eus sintetizados num eu postiço."


"Fernando Pessoa"

VERDE




Patricia Neme




Fiz do verde meu caminho,
fiz da vida plantação;
plantei flor e passarinho,
filhos, versos e oração.
Plantei pão e plantei vinho,
com o amor da minha mão.
Caminhei por verdes mares,
fiz sorrir verdes olhares,
verde foi o meu jardim.
Verde foi minha esperança
no verdor das minhas tranças...
Hoje restam só lembranças
com as quais brinco cantares
da ventura que há em mim.
O Senhor é meu pastor
e nas verdes pradarias
me regala paz sem fim!

- Patricia Neme -
(in TEMPOS)

Ser Professor





Tininha Dib




Ser professor é ser artista 
Malabarista, 
... Pintor, escultor, doutor, 
Musicólogo, psicólogo... 
É ser mãe, pai, irmã, avó, 
É ser palhaço, bagaço... 
É ser ciência e paciência... 
É ser informação. 
É ser ação, é ser bússola, é ser farol. 
É ser luz, é ser sol. 
Incompreendido?...Muito. 
Defendido? Nunca. 
O seu filho passou?... 
Claro, é um gênio. 
Não passou? 
O professor não ensinou. 
Ser professor 
é um vício ou vocação? 
É outra coisa... 
É ter nas mãos o mundo de amanhã. 
Amanhã. 
Os alunos vão-se... 
E ele, o mestre, de mãos vazias, 
Fica com o coração partido. 
Recebe novas turmas, 
Novos olhinhos ávidos de cultura 
E ele, o professor, vai despejando 
Com toda a ternura, o saber, a orientação 
Nas cabecinhas novas que amanhã 
Luzirão no firmamento da pátria 
Fica a saudade 
A amizade. 
O pagamento real? 
Só na eternidade.
(Prof. Gabriel Gonçalves)

Codinome Beija Flor



Daisi Oliveira de Souza




Pra que mentir
Fingir que perdoou
Tentar ficar amigos sem rancor
A emoção acabou
Que coincidência é o amor
A nossa música nunca mais tocou

Pra que usar de tanta educação
Pra destilar terceiras intenções
Desperdiçando o meu mel
Devagarzinho, flor em flor
Entre os meus inimigos, beija-flor

Eu protegi o teu nome por amor
Em um codinome, Beija-flor
Não responda nunca, meu amor
Pra qualquer um na rua, Beija-flor

Que só eu que podia
Dentro da tua orelha fria
Dizer segredos de liquidificador

Você sonhava acordada
Um jeito de não sentir dor
Prendia o choro e aguava o bom do amor
Prendia o choro e aguava o bom do amor

 (Cazuza)

Ultimo poema





Lúcinha Santos




Talvez essa seja a minha ultima
inspiração
não consigo pensar, nem me veem a mente
céu azul, flores, sonhos
Acho que acaba hoje minha alma de poeta
porque meu coração sangra
e nele estava tudo depositado
meu amor, minha vida
minhas palavras bonitas
que saiam como se eu respirasse
O coração sangra e se esvai tudo que
estava guardado pra ti
E eu sem amor não sou nada
não sou mulher, não sou poeta
não sou ninguém
Hoje escrevo meu ultimo poema
ao amor
Por que me dei toda pra esse sentimento
E hoje eu percebi que ele não existe
De hoje em diante não tenho mais amor
nem poesia
nem inspiração
Só meu amor poderia me salvar, mas eu sei
que ele não existe e não vem, nem adianta esperar
somente a razão vai estar nesse corpo
Chega de coração sangrando
Chega de sofrer e amar
Meu corpo dói e quero descansar
.............. lúcinha

Entre o Ver e o Ouvir




Aníbal Bastos





Entre o ver e o ouvir,
Há diferenças abismais,
Porque no ver, não há mentir,
Mas uma verdade gravada
Que não pode ser é alterada,
Porque as imagens são reais!

Já no ouvir é diferente!
A verdade se confronta,
Com o parecer tendente!
E assim uma história contada,
É quase sempre adulterada,
Pelo sentir de quem a conta!

Pela forma de dizer
E pelo jeito de sorrir,
Há quem consiga fazer,
De uma mentira matreira,
Uma história verdadeira;
Para de verdade servir!

Porém se os factos vimos,
A nossa mente arquiva,
O que no acto sentimos!
Desmentimos a história,
Porque na nossa memória,
A imagem mantém-se viva!

Mas para os nossos ouvidos,
Da mentira acostumados,
Se fecharam os sentidos!
De tão forma que parece,
Que o povo adormece,
Por ter ouvidos tapados!

Abram-se olhos e os ouvidos
E não se esqueça a fala,
Para além dos outros sentidos!
E quando isto acontecer,
Talvez deixemos de ser,
A gente do come e cala!

A. Bastos (Júnior)

Basta-me




Carmen Alice Ribeiro



Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve...

- mas só esse eu não farei.

Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes...

- palavra que não direi.

Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,

- que amargamente inventei.

E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando...

e um dia me acabarei.

Cecília Meireles

Há palavras






Fernando Martinho








Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.


Alexandre O'Neill

No quarto




Ronald Zomignan Carvalho





No quarto escuro, 
no fundo de uma gaveta fechada, 
um rolo branco de esparadrapo 
espera um corte.

Vida de rodeio


Marcelo Pardini



Minha escolha por esta vida de rodeio...
Não foi por acaso, não.

Quando me convidaram para narrar pela primeira vez...
Não deixei passar em vão.

Eu sou predestinado...
Só precisava ter a certeza de que essa era minha aptidão.

Vi no rodeio minha sina...
E a maior paixão.

Minha família sempre me apóia...
E eu sigo trabalhando com determinação.

Todo meu esforço é compensado...
Quando olho para o céu e vejo uma constelação.

Essa constelação é formada por estrelas importantes...
Que brilham sem hesitação.

Entre várias, duas delas, brilham por minha glorificação.

Uma simboliza Raul Torres...
Aquele da Mula Preta, Cabocla Teresa e mais um montão.
A outra representa o Serrinha, do afamado Inhambu Chitão.

Dois homens que certamente deixaram saudade à gente do sertão.
Meus parentes tão queridos, aqui, eu peço vossas bênçãos.

Não Deixe Amor Passar





Fernando Martinho





Quando encontrar alguém e esse alguém fizer seu coração parar de funcionar por alguns segundos, preste atenção: pode ser a pessoa mais importante da sua vida.
Se os olhares se cruzarem e, neste momento,houver o mesmo brilho intenso entre eles, fique alerta: pode ser a pessoa que você está esperando desde o dia em que nasceu.
Se o toque dos lábios for intenso, se o beijo for apaixonante, e os olhos se encherem d’água neste momento, perceba: existe algo mágico entre vocês.
Se o primeiro e o último pensamento do seu dia for essa pessoa, se a vontade de ficar juntos chegar a apertar o coração, agradeça: Deus te mandou um presente: O Amor.

Por isso, preste atenção nos sinais - não deixe que as loucuras do dia-a-dia o deixem cego para a melhor coisa da vida: O AMOR.

Carlos Drummond de Andrade

Só Vim Desejar





Lúcinha Santos




‎"Eu só vim lhe desejar um dia lindo. Com flores pelos caminhos que você percorrer. Com gente feliz ao seu redor. Com chuvas de sorrisos e de olhares que vem da alma. Não importa se grandes notícias não virão hoje. Que também não venham as más. Que seu dia seja de paz. Que você esteja em paz. E que você olhe os problemas de cima, e as pessoas que você convive, com olho no olho. Que as palavras do dia sejam ‘leveza’, ‘doçura’, ‘calmaria’, ‘tranquilidade’. E que suas próximas horas sejam carregadas de pensamentos positivos e muita paz no coração. Só vim te desejar um ótimo dia. Colorido e florido.

Caio F. Abreu

Strip-tease




Lúcinha Santos





Chegou no apartamento dele às seis da tarde e sentia um nervosismo fora do comum.
Antes de entrar pensou mais uma vez no que estava para fazer.
Seria sua primeira vez. Já havia roido as unhas de ambas as mãos.
Não podia mais voltar atrás.
Tocou a campainha e ele ansioso do outro lado não demorou mais que dois segundos para atender.
Ele perguntou se ela queria beber alguma coisa. Ela não quis.
Perguntou se ela queria sentar. Ela recusou.
Ele perguntou o que poderia fazer por ela.
A resposta sem preliminares: Quero que você me escute, simplesmente.
Então ela começou a se despir como nunca havia feito antes.
Primeiro tirou a máscara:
Eu tenho feito de conta que você não me imteressa muito, mas não é verdade.
Você é a pessoa mais especial que já conheci.
Não por ser bonito ou por pensar como eu sobre tantas coisas, mas por algo maior e mais profundo do que aparência e afinidade.
Ser correspondida é o que menos me preocupa no momento: preciso dizer o que sinto.
Então ela desfez-se da arrogância:
Nem sei com que pernas cheguei até sua casa. Achei que não teria coragem.
Mas agora que estou aqui, preciso que você saiba que cada música que toca, é com você que ouço, cada palavra que leio, é com você que reparto, cada deslumbramento que tenho, é com você que sinto.
Você está entranhado no que sou, virou parte da minha história.
Era o pudor sendo desabotoado:
Eu beijo espelhos, abraço travesseiros, faço carinho em mim mesma tendo você no pensamento, e mesmo quando as coisas que faço são menos importantes, como ler uma revista,ou lavar uma meia, é em sua companhia que estou.
Retirava o medo:
Eu não sou melhor ou pior do que ninguém, sou apenas alguém que está aprendendo a lidar com o amor, sinto que ele existe, sinto que é forte, e sinto que é aquilo que todos procuram. Encontrei.
Por fim a última peça caia, deixando-a nua:
Eu gostaria de viver com você, mas não foi por isso que vim.
A intenção é deixá-lo saber que é amado e deixá-lo pensar a respeito, que amor não é coisa que se retribua de imediato somente para ser gentil.
Se um dia eu for amada do mesmo modo por você, me avise que eu volto, e a gente recomeça de onde parou.
Paramos aqui.

E saiu do apartamento, nua em pêlo, sentindo-se mais mulher do que nunca.

(Martha Medeiros)

Xadrez investigativo – Parte II


Marcelo Pardini



O novo busca ruptura, mudança...
Seguindo a ética da vida, embasada em trabalho e realização.
Atalho para a notícia é a fonte.
E o meu guru é quem me preenche de certezas.
Aprendi a separar opiniões e sentimentos pessoais...
Das informações por mim apuradas.
Jornalismo puro significa notícia de interesse público.

Sempre pautado em amor, verdade, justiça, liberdade e responsabilidade.

Xadrez investigativo



Marcelo Pardini



As pessoas mostram o que são...
Fundamentalmente quando em silêncio.

A investigação é árdua, desgastante.
Não permito que modifiquem a cena do crime.

Como bom espírito de porco...
Vou atrás dos pormenores.

O bom jornalista tem o perfil traçado nos detalhes.
Sou brasileiro, de reputação ilibada.

Filtro tudo aquilo que absorvo.
Minha digestão é feita pela verdade.

As guerras só começam por causa do outro.
Ninguém admite os próprios deslizes.

O homem não é o senhor da razão...
A natureza já não trabalha a favor do ser humano.

Na luta prazer x realidade...
Sempre há estratégias de comparação.

Busco o conhecimento. Leio muito.
Mas minha imaginação é sempre mais valiosa.

Quando penso saber tudo...
Logo me sinto parado, estático.

Assim como Mário Quintana, também acho...
Que a mentira é a verdade que se esqueceu de acontecer.

Você se acostuma


Marcelo Pardini



Mas como? Ela me deixou.
Você se acostuma, meu irmão.

É uma princesa, um anjo que apareceu para mim...
Você se acostuma, meu irmão.

O que fazer com a dor que me consome?
Você se acostuma, meu irmão.

Pensei que fosse pra sempre...
Você se acostuma, meu irmão.

Mas dói muito. Está quase insuportável. O que faço?
Você se acostuma, meu irmão.

Ela está tão indiferente. Parece não se preocupar...
Você se acostuma, meu irmão.

Quero a felicidade de volta!
Quero sentir seu cheiro...
Quero tocar seu corpo...

Quero-a de volta!
Você se acostuma, meu irmão.

Mas ela volta?

Somos o que pensamos


Tininha Dib


Somos o que pensamos. Tudo o que somos surge com nossos pensamentos. Como nossos pensamentos, fazemos o nosso mundo. 


Buda

O que vale


Tininha Dib


O que vale na vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher. 


Cora Coralina

Merecimento




Ereni Wink





Sonho que sou...rasguei toda a ilusão...
Que sou além do sonho e pensamento
e tenho a grande luz na minha mão,
abrindo o céu do quarto em firmamento...

Sonho talvez nos braços da emoção,
que dias de torpor e de lamentos,
jamais aos meus anseios servirão
como resposta a dores e a tormentos...

No despertar risonho da manhã,
volto dos voos vividos,errantes,
felizes,como as noites dos amantes...

Por isso é alto e nobre o meu afã:
é ser eu mesmo nos sonhos do avesso...
Romper os véus é tudo que mereço ! 

Marilena G. Ribeiro e José Dias Egipto

Queria você!




Ereni Wink





Queria você! Mas a vida me roubou,
tentei sonhar, mas a ilusão me impedia,
Quis tua esperança, a dor não deixou,
Quis lutar, mas você roubou minhas armas,
Quis pedir para falar contigo,
Seus ouvidos ensurdeceram,
Quis tão pouco, você achou que era demais...,
Quis apenas amar você,
Mas você se assustou,
Desejei que me amasse, você não quis
chorei, eu só queria você
Mas infelizmente, nosso amor no tempo morreu e partiu sem dizer
absolutamente nada, nem se quer adeus! 

Maria Augusta Stienhaus

Reconhecimento do Amor





Vania Vania Oliveira




Os caminhos da amizade.
Apareceste para ser o ombro suave
Onde se reclina a inquietação do forte
(Ou que forte se pensa ingenuamente).
Trazias nos olhos pensativos
A bruma da renúncia:
Não queiras a vida plena,
Tinhas o prévio desencanto das uniões para toda a vida,
Não pedias nada,
Não reclamavas teu quinhão de luz.
E deslizavas em ritmo gratuito de ciranda.

Descansei em ti meu feixe de desencontros
E de encontros funestos.
Queria talvez - sem o perceber, juro -
Sadicamente massacrar-se
Sob o ferro de culpas e vacilações e angústias que doíam
Desde a hora do nascimento,
Senão desde o instante da concepção em certo mês perdido
na História,
Ou mais longe, desde aquele momento intemporal
Em que os seres são apenas hipóteses não formuladas
No caos universal

Como nos enganamos fugindo ao amor!
Como o desconhecemos, talvez com receio de enfrentar
Sua espada coruscante, seu formidável
Poder de penetrar o sangue e nele imprimir
Uma orquídea de fogo e lágrimas.

Entretanto, ele chegou de manso e me envolveu
Em doçura e celestes amavios.
Não queimava, não siderava; sorria.
Mal entendi, tonto que fui, esse sorriso.
Feri-me pelas próprias mãos, não pelo amor
Que trazias para mim e que teus dedos confirmavam
Ao se juntarem aos meus, na infantil procura do Outro,
O Outro que eu me supunha, o Outro que te imaginava,
Quando - por esperteza do amor - senti que éramos um só.

Amiga, amada, amada amiga, assim o amor
Dissolve o mesquinho desejo de existir em face do mundo
Com o olhar pervagante e larga ciência das coisas.
Já não defrontamos o mundo: nele nos diluímos,
E a pura essência em que nos transmutamos dispensa
Alegorias, circunstâncias, referências temporais,
Imaginações oníricas,
O vôo do Pássaro Azul, a aurora boreal,
As chaves de ouro dos sonetos e dos castelos medievos,
Todas as imposturas da razão e da experiência,
Para existir em si e por si,
À revelia de corpos amantes,
Pois já nem somos nós, somos o número perfeito: UM.

Levou tempo, eu sei, para que o Eu renunciasse
à vacuidade de persistir, fixo e solar,
E se confessasse jubilosamente vencido,
Até respirar o júbilo maior da integração.
Agora, amada minha para sempre,
Nem olhar temos de ver nem ouvidos de captar
A melodia, a paisagem, a transparência da vida,
Perdidos que estamos na concha ultramarina de amar.

Carlos Drummond de Andrade

Você faz parte daqui