PROSAS EM VERSOS

SER POETA, É SENTIR AFLORAR DA PELE SENSIBILIDADE, É OUVIR O GRITO DOS QUE NADA DISSERAM, É VER POR UMA GAMA DE CORES INVISÍVEIS À MACROSCÓPICA VISÃO DOS INSENSÍVEIS, É PENETRAR IMPIEDOSAMENTE À ALMA HUMANA.

sábado, 19 de maio de 2012

Pensar e Agir




Claudio Caldas Faria





Fico eu em sociedade
Sendo mais que democrático
Em meu íntimo idiossincrático
Não é esta a realidade

Viver fingindo ser simpático
Sorridente e estar feliz
Enquanto dentro a alma diz:
Apaga a chama ser apático.

Como escolher um ou outro,
Estando ambos estoutro ?
Seres distintos com tanta discrepância

Mas devemos sempre distinguir
Que entre o pensar e o agir
Está além de tudo uma grande distância.


Claudio Caldas Faria
Lei de Direito Autoral (nº 9610/98)

Quero


Ereni Wink

por: Celso Hoffmann Junior

Quero o fim da falsa modéstia,
Da humildade orgulhosa
Quero a mentira sincera,
A graça da desgraça.

Não quero os amigos das vitórias,
Não quero aquele que diz que me ama
Quero aquele que faz, simplesmente,
Quero os amigos das derrotas.

Quero beber o doce veneno amargo
Quero quebrar regras, fazer o proibido,
Cutucar a onça com vara curta,
Quem sabe vem o tão prometido castigo.

Quero amar a pensante loira burra
Durante os dias de luares e as noites de sol.
Quero olhar para o espelho e ver uma pedra bruta,
E por favor, mantenha-me longe da lapidação.

Metamorfosis Ambulante




Paula Teixeira




Eu prefiro ser essa metamorfosis ambulante
Do que ter aquela velha opiniao formada sobre tudo
Eu quero dizer agora, o oposto do que disse antes
Sobre o que é o amor
Sobre que eu nem sei quem sou
Se hoje eu sou estrela, amanha ja se apagou
Se hoje eu te odeio, amanha lhe tenho amor
...
Eu prefiro ser essa metamorfosis ambulante .
Eu vou lhe desdizer aquilo tudo que eu disse antes
É chato chegar
a um objetivo num instante
Eu quero viver nessa metamorfosis ambulante
Do que ter aquela velha opiniao formada sobre tudo.

Raul Seixas.

Vítima do Dualismo





Claudio Caldas Faria





Ser miserável dentre os miseráveis
- Carrego em minhas células sombrias
Antagonismos irreconciliáveis
E as mais opostas idiosincrasias!

Muito mais cedo do que o imagináveis
Eis-vos, minha alma, enfim, dada às bravias
Cóleras dos dualismos implacáveis
E à gula negra das antinomias!

Psique biforme, O Céu e o Inferno absorvo...
Criação a um tempo escura e cor-de-rosa,
Feita dos mais variáveis elementos,

Ceva-se em minha carne, como um corvo,
A simultaneidade ultramonstruosa
De todos os contrastes famulentos!

Augusto dos Anjos

Na noite


Jose Carlos Ribeiro




Na noite de meus pensamentos,
Sua luz encontrou o caminho,
Onde você deixou o seu contacto,
Em letras de ouro sobre um pergaminho.

O brilho do teu riso brilhou,
Em meu coração ficou para sempre
O calor de um amor apaixonado,
Por sua vontade, você me salvou

Em um reflexo de seus belos olhos,
Eu descobri que eu estava apaixonado,
De sua voz cheia de doçura,
Você curou as feridas do meu coração.

Seu amor reacendeu os meus desejos,
O seu encanto manteve os meus suspiros,
Levou tempo para nos dizer,
Para a vida, é preciso sorrir.

J.

Procura




Aníbal Bastos




À procura duma vida
Que mereça ser vivida,
Ando desde que nasci!
Percorri muitos caminhos,
Das rosas colhi os espinhos
E nesta vida vivi!

Nas minhas recordações,
Abundam as frustrações,
Ilusões e fantasias;
Amizades falseadas,
Com traições acumuladas,
Pouco resta de alegrias!

Tive amores, tive paixões,
Tristezas, desilusões,
Um pouco por todo o lado!
Fui soldado, fui à guerra
E quando regresso à terra,
Dizem que venho mudado!

Durante a minha labuta,
Mantive sempre a conduta,
De andar de cabeça erguida!
Por nunca dizer ámen,
Nem me baixar a ninguém,
Fui castigado na vida!

Fui poeta, escrevi versos,
Com temas dos mais diversos,
Desde o Amor à Intervenção!
Fui por muitos criticado!
Por outros admirado,
Mas não saí da razão!

Olhando para o futuro,
Vejo um buraco escuro,
Chamado vale de amargura!
Mas não vou os braços baixar,
Enquanto não encontrar,
A vida que ando à procura!

A. Bastos (Júnior)

Sinto-me, sem sentir


Ereni Wink



Sinto-me, sem sentir, todo abrasado
No rigoroso fogo que me alenta;
O mal que me consome me sustenta,
O bem que me entretém me dá cuidado.

Ando sem me mover, falo calado,
o que mais perto vejo se me ausenta,
E o que estou sem ver mais me atormenta;
Alegro-me de ver-me atormentado,

Choro no mesmo ponto em que me rio,
No mor risco me anima a confiança,
Do que menos se espera estou mais certo.

Mas, se de confiado desconfio,
É porque, entre os receios da mudança,
Ando perdido em mim como em deserto

Antonio Barbosa Bacelar (1610 - 1663) 

A Cruz da Estrada


Ereni Wink

por: Castro Alves

Tu que passas, descobre-te!
Ali dorme o Forte que morreu.


Caminheiro que passas pela estrada,
Seguindo pelo rumo do sertão,
Quando vires a cruz abandonada,
Deixa-a em paz dormir na solidão.

Que vale o ramo do alecrim cheiroso
Que lhe atiras nos braços ao passar?
Vais espantar o bando buliçoso
Das borboletas, que lá vão pausar.

É de um escravo humilde sepultura,
Foi-lhe a vida o velar de insônia atroz.
Deixa-o dormir no leito de verdura,
Que o Senhor dentre as selvas lhe compôs.

Não precisa de ti. O gaturamo
Geme, por ele, à tarde, no sertão.
E a juriti, do taquaral no ramo,
Povoa, soluçando, a solidão.

Dentre os braços da cruz, a parasita,
Num abraço de flores se prendeu.
Chora orvalhos a grama, que palpita;
Lhe acende o vaga-lume o facho seu.

Quando, à noite, o silêncio habita as matas,
A sepultura fala a sós com Deus.
Prende-se a voz na boca das cascatas,
E as asas de ouro aos astros lá nos céus.

Caminheiro! do escravo desgraçado
o sono agora mesmo começou!
Não lhe toques no leito de noivado,
Há pouco a liberdade o despousou.

Recife, 22 de junho de 1865

Sorriso de Mona Lisa.


Ereni Wink



Uma só palavra tua
e o viver monótono
que me acompanha
ganhará as cores do arco-íris,
subirá as montanhas
do Nepal,
atravessará
a Cordilheira dos Andes,
cruzará o Canal da Mancha
e se perderá
no Triângulo das Bermudas.

Uma só palavra tua
e meus sentidos irão explorar
a Floresta Amazônica,
fotografar
o olho do furacão americano,
visualizar preces no Monte Sinai,
conferir a Muralha da China,
admirar as quedas do Niágara,
visitar as águas da romântica Veneza
e alcançar
as neves do Kilimanjaro.

Uma só palavra tua
e o muro de Berlim que me rodeia
cairá por terra,
libertando-me das garras
do inferno de Java,
abrirá minhas asas para o vôo de Ícaro
e, queimando meus temores,
fará pousar meus amores
na clareira recém-aberta, desenhada
pelo teu eterno sorriso
de Mona Lisa.

Flávio Villa-Lobos

A Árvore


Maria Salete Ariozi





CAI A ÚLTIMA FOLHA VERDE
DE UMA ÁRVORE MORRENDO;
AO FUNDO A MELODIA DO VENTO
TRAZENDO NO AR UM LAMENTO
DO VERDE
QUE REPRESENTAVA O VIVER.
QUANDO ESTA GRANDE ÁRVORE
ERA APENAS UMA MUDA,
A CHUVA
OU ALGUÉM A REGAVA.
TALVEZ NÃO HOUVESSE CLAREZA
NAS DÚVIDAS QUE CARREGAVA;
TORNOU-SE FRONDOSA E BELA,
DEU SOMBRA A QUEM PRECISAVA,
FRUTOS QUE APLACARAM FOMES,
RAÍZES PROFUNDAS E LARGAS.
HOJE NO SEU ÚLTIMO LAMENTO
ENQUANTO CAÍ ESTA FOLHA
RELEMBRA OS SEUS MOMENTOS
E DESCOBRE O QUANTO FOI TOLA.

ASSIM É A REGRA DA VIDA
INÍCIO, PAUSAS E O FINAL !
ESPERO QUE ALGUMA SEMENTE
FORTIFIQUE O BEM,
SEM O MAL

SE O DESTINO O INVERSO FIZER,
E SEGUIR O MESMO CAMINHO
POSSUIREMOS OUTRA GRANDE ÁRVORE,
TAVEZ COM MAIS UNS ESPINHOS.
NÃO HAVERÁ NOVIDADES
OU MUDANÇAS
E A VIDA QUE PODERIA SER VERDADEIRA
CONTINUARÁ COM A MESMA DANÇA
MAS HAVERÁ APENAS UMA CERTEZA:
RAÍZES FRACAS
SEM NENHUMA CULPA;
E QUANDO SEUS OLHOS NOTAREM,
PROCURARÁS AS ETERNAS
DESCULPAS.

* CLAUDIO CALDAS FARIA
Do livro : ECOS & REFLEXOS.

Descobrimento



Maria Salete Ariozi




Pego a palavra amor e dentro
dela semeio o meu sigilo:
este rumor de mar batendo,
esta paixão, este suspiro.

Repara como vai ficando
densa a estrutura desse termo:
é como se as coisas que planto
contivessem ossos e nervos.

É como se houvesse no fundo
alguma luz, um pouco de alma,
como se o pouco fosse muito
e muito tudo o que me falta.

Daí ser preciso ir ao ponto
interior do que a contorna:
o espesso que se vai compondo
no corpo vivo que se forma.

E bem devagar ir abrindo
não a palavra - o seu caroço:
a essência mesma do recinto
que sabe a mel, de saboroso.

E só depois, além do grito,
sobre a beleza do momento,
ver no percurso acontecido
o que ficou acontecendo.

Gilberto Mendonça Teles

A Vida Perde a Corrida


Maria Salete Ariozi





Lá vai o tempo
cheio de vento

no seu galope
não quer escort
aceita o vento
só por sport

olha de cima
como quem cisma

sabe do céu
sabe do inferno
sabe-se eterno

a vida perde
sempre a corrida
o tempo voa
e a vida vive
toda encolhida

lá vai o tempo
mas volta já
enquanto a vida
que vai já foi
e já não há

Reynaldo Valinho Alvarez

Recomeço



Maria Salete Ariozi




Hora de rever
os velhos passos

Retornar a recantos
olvidados

Reinventar as manhãs
de tantas noites

Reescrever o percurso
e ouvir o canto
dos versos esquecidos

Fazer de novo o gesto
de amizade

Ousar o amor
inalcançável

Buscar no voo de ontem
a chave do destino

E abrir a porta
acolher os que voltam
da viagem
os que se levantam
no meio da noite
pastorando estrelas
para escrever histórias
de recomeço e esperança.

Mauro Salles

Enquanto



Maria Salete Ariozi



Um dia recordarei
que aqui estive, à brisa
de janeiro, folhas verdes
acenando sobre o muro,
céu azul, silêncio,como
lembro a tarde em que cruzaste
o leito seco do rio,
as tranças ruivas e longas,
os seios ainda dormindo
na blusa e além: na infância.
Um dia recordarei
esta hora, estas palavras
que se escrevem leves como
a brisa, e com ela passam
para o jardim em que lembra
a minha alma enquanto
tarda o tempo de esquecer.

Ruy Espinheira Filho

Gemidos Das Artes





Claudio Caldas Faria


I

Esta desilusão que me acabrunha
E mais traidora do que o foi Pilatos!...
Por causa disto, eu vivo pelos matos,
Magro, roendo a substância córnea da unha.

Tenho estremecimentos indecisos
E sinto, haurindo o tépido ar sereno,
O mesmo assombro que sentiu Parfeno
Quando arrancou os olhos de Dionisos!

Em giro e em redemoinho em mim caminham
Ríspidas mágoas estranguladoras,
Tais quais, nos fortes fulcros, as tesouras
Brônzeas, também giram e redemoinham.

Os pães - filhos legítimos dos trigos -
Nutrem a geração do Ódio e da Guerra.
Os cachorros anônimos da terra
São talvez os meus únicos amigos!

Ah! Por que desgraçada contingência
À híspida aresta sáxea áspera e abrupta
Da rocha brava, numa ininterrupta
Adesão, não aprendi minha existência?!

Por que Jeová, maior do que Laplace,
Não fez cair o túmulo de Plínio
Por sobre todo o meu raciocínio
Para que eu nunca mais raciocinasse?!

Pois minha Mãe tão cheia assim daqueles
Carinhos, com que guarda meus sapatos,
Por que me deu consciência dos meus atos
Para eu me arrepender de todos eles?!

Quisera antes, mordendo glabros talos,
Nabucodonosor ser do Pau d'Arco,
Beber a acre e estagnada água do charco,
Dormir na manjedoura com os cavalos!

Mas a carne é que é humana! A alma é divina.
Dorme num leito de feridas, goza
O lodo, apalpa a úlcera cancerosa,
Beija a peçonha, e não se contamina!

Ser homem! escapar de ser aborto!
Sair de um ventre inchado que se anoja,
Comprar vestidos pretos numa loja
E andar de luto pelo pai que é morto!

E por trezentos e sessenta dias
Trabalhar e comer! Martírios juntos!
Alimentar-se dos irmãos defuntos,
Chupar os ossos das alimarias!

Barulho de mandíbulas e abdômens!
E vem-me com um desprezo por tudo isto
Uma vontade absurda de ser Cristo
Para sacrificar-me pelos homens!

Soberano desejo! Soberana
Ambição de construir para o homem uma
Região, onde não cuspa língua alguma
O óleo rançoso da saliva humana!

Uma região sem nódoas e sem lixos,
Subtraída á hediondez de ínfimo casco,
Onde a forca feroz coma o carrasco
E o olho do estuprador se encha de bichos!

Outras constelações e outros espaços
Em que, no agudo grau da última crise,
O braço do ladrão se paralise
E a mão da meretriz caia aos pedaços!

II
O sol agora é de um fulgor compacto,
E eu vou andando, cheio de chamusco,
Com a flexibilidade de um molusco,
Úmido, pegajoso e untuoso ao tacto!

Reunam-se em rebelião ardente e acesa
Todas as minhas forças emotivas
E armem ciladas como cobras vivas
Para despedaçar minha tristeza!

O sol de cima espiando a flora moça
Arda, fustigue, queime, corte, morda!...
Deleito a vista na verdura gorda
Que nas hastes delgadas se balouça!

Avisto o vulto das sombrias granjas
Perdidas no alto... Nos terrenos baixos,
Das laranjeiras eu admiro os cachos
E a ampla circunferência das laranjas.

Ladra furiosa a tribo dos podengos.
Olhando para as pútridas charnecas
Grita o exército avulso das marrecas
Na úmida copa dos bambus verdoengos.

Um pássaro alvo artífice da teia
De um ninho, salta, no árdego trabalho,
De árvore em árvore e de galho em galho,
Com a rapidez duma semicolcheia.

Em grandes semicírculos aduncos,
Entrançados, pelo ar, largando pêlos,
Voam á semelhança de cabelos
Os chicotes finíssimos dos juncos.

Os ventos vagabundos batem, bolem
Nas árvores. O ar cheira. A terra cheira...
E a alma dos vegetais rebenta inteira
De todos os corpúsculos do pólen.

A câmara nupcial de cada ovário
Se abre. No chão coleja a lagartixa.
Por toda a parte a seiva bruta esguicha
Num extravasamento involuntário.

Eu, depois de morrer, depois de tanta
Tristeza, quero, em vez do nome - Augusto,
Possuir aí o nome dum arbusto
Qualquer ou de qualquer obscura planta!

III

Pelo acidentadíssimo caminho
Faísca o sol. Nédios, batendo a cauda,
Urram os Dois. O céu lembra uma lauda
Do mais incorruptível pergaminho.

Uma atmosfera má de incômoda hulha
Abafa o ambiente. O aziago ar morto a morte
Fede. O ardente calor da areia forte
Racha-me os pés como se fosse agulha.

Não sei que subterrânea e atra voz rouca,
Por saibros e por cem côncavos vales,
Como pela avenida das Mappales,
Me arrasta á casa do finado Toca!

Todas as tardes a esta casa venho.
Aqui, outrora, sem conchego nobre,
Viveu, sentiu e amou este homem pobre
Que carregava canas para o engenho!

Nos outros tempos e nas outras eras,
Quantas flores! Agora, em vez de flores,
Os musgos, como exóticos pintores,
Pintam caretas verdes nas taperas.

Na bruta dispersão de vítreos cacos,
À dura luz do sol resplandecente,
Trôpega e antiga, uma parede doente
Mostra a cara medonha dos buracos.

O cupim negro broca o âmago fino
Do teto. E traça trombas de elefantes
Com as circunvoluções extravagantes
Do seu complicadíssimo intestino.

O lodo obscuro trepa-se nas portas.
Amontoadas em grossos feixes rijos,
As lagartixas, dos esconderijos,
Estão olhando aquelas coisas mortas!

Fico a pensar no Espírito disperso
Que, unindo a pedra ao gneiss e a árvore à criança,
Como um anel enorme de aliança,
Une todas as coisas do Universo!

E assim pensando, com a cabeça em brasas
Ante a fatalidade que me oprime,
Julgo ver este Espírito sublime,
Chamando-me do sol com as suas asas!

Gosto do sol ignívomo e iracundo
Como o réptil gosta quando se molha
E na atra escuridão dos ares, olha
Melancolicamente para o mundo!

Essa alegria imaterializada,
Que por vezes me absorve, é o óbolo obscuro,
É o pedaço já podre de pão duro
Que o miserável recebeu na estrada!

Não são os cinco mil milhões de francos
Que a Memanha pediu a Jules Favre...
É o dinheiro coberto de azinhavre
Que o escravo ganha, trabalhando aos brancos!

Seja este sol meu último consolo;
E o espírito infeliz que em mim se encarna
Se alegre ao sol, como quem raspa a sama,
Só, com a misericórdia de um tijolo!...

Tudo enfim a mesma órbita percorre
E as bocas vão beber o mesmo leite...
A lamparina quando falta o azeite
Morre, da mesma forma que o homem morre.

Súbito, arrebentando a horrenda calma,
Grito, e se grito é para que meu grito
Seja a revelação deste Infinito
Que eu trago encarcerado na minh'alma!

Sol brasileiro! queima-me os destroços!
Quero assistir, aqui, sem pai que me ame,
De pé, à luz da consciência infame1
À carbonização dos próprios ossos!

Augusto dos Anjos

Para o Amor



Maria Salete Ariozi




para o amor escolho
certos mistérios
o resfolegar de um cavalo
perdido na bruma
alguns gestos milenares
pegar o sol com as mãos
e deixar que o crepúsculo
invada cada recanto
da casa
para o amor escolho
certos atalhos
o dos ventos escrevendo
nas rochas as sílabas
das gaivotas
enquanto o amor acalanta
seus mortos
para o amor ofereço
minha alma com pasto
aí onde tantas mulheres
inscreveram em sangue
seus segredos
e meu corpo
como espelho

Roseana Murray

Borboleta


André Alves


Estaria longe
Se não transitasse nos olhos
Estaria perto
Se não fosse tão independente
A perfeição vem da troca de pele
Feita de lagarta,
Colho o néctar das flores
Saborosa liberdade
Que voa comigo

Algo vem rasgando o vento
Carrega pressa
É uma flecha
Me acerta
Sinto-me apaixonada
Por quem?
As flores viram pares
Não me querem aleijada
Espalho meu pó no chão alheio
Misturam-se asas e poeira
A flecha, caída,
É um falar oco,
Quiçá um consolo
Um riso preso
Um ensaio de sibilo
Um cantante fim
As flores não se abaixarão aos noivos
O casulo se fecha para sempre
Casa-se com a flecha
Sou resto
Arrasto-me
Mãos de asas não pegam mais o vento
Não mais borboletearam.

André Alves

A festa da natureza


Ereni Wink



Chegando o tempo do inverno,
Tudo é amoroso e terno,
Sentindo o Pai Eterno
Sua bondade sem fim.
O nosso sertão amado,
Estrumicado e pelado,
Fica logo transformado
No mais bonito jardim.

Neste quadro de beleza
A gente vê com certeza
Que a musga da natureza
Tem riqueza de incantá.
Do campo até na floresta
As ave se manifesta
Compondo a sagrada orquesta
Desta festa naturá.

Tudo é paz, tudo é carinho,
Na construção de seus ninho,
Canta alegre os passarinho
As mais sonora canção.
E o camponês prazentero
Vai prantá fejão ligero,
Pois é o que vinga premero
Nas terras do meu sertão.

por: Patativa do Assaré

Cantares




Paula Teixeira




Tudo passa e tudo fica
porém o nosso é passar,
passar fazendo caminhos
caminhos sobre o mar

Nunca persegui a glória
nem deixar na memória
dos homens minha canção
eu amo os mundos sutis
leves e gentis,
como bolhas de sabão

Gosto de ver-los pintar-se
de sol e grená, voar
abaixo o céu azul, tremer
subitamente e quebrar-se…

 (Antonio Machado)

A valsa


Ereni Wink



Tu, ontem,
Na dança
Que cansa,
Voavas
Co'as faces
Em rosas
Formosas
De vivo,
Lascivo
Carmim;
Na valsa
Tão falsa,
Corrias,
Fugias,
Ardente,
Contente,
Tranqüila,
Serena,
Sem pena
De mim!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
— Eu vi!...

Valsavas:
— Teus belos
Cabelos,
Já soltos,
Revoltos,
Saltavam,
Voavam,
Brincavam
No colo
Que é meu;
E os olhos
Escuros
Tão puros,
Os olhos
Perjuros
Volvias,
Tremias,
Sorrias,
P'ra outro
Não eu!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
— Eu vi!...

Meu Deus!
Eras bela
Donzela,
Valsando,
Sorrindo,
Fugindo,
Qual silfo
Risonho
Que em sonho
Nos vem!
Mas esse
Sorriso
Tão liso
Que tinhas
Nos lábios
De rosa,
Formosa,
Tu davas,
Mandavas
A quem ?!

Quem dera
Que sintas
As dores
De arnores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas,..
— Eu vi!...

Calado,
Sózinho,
Mesquinho,
Em zelos
Ardendo,
Eu vi-te
Correndo
Tão falsa
Na valsa
Veloz!
Eu triste
Vi tudo!

Mas mudo
Não tive
Nas galas
Das salas,
Nem falas,
Nem cantos,
Nem prantos,
Nem voz!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!

Quem dera
Que sintas!...
— Não negues
Não mintas...
— Eu vi!

Na valsa
Cansaste;
Ficaste
Prostrada,
Turbada!
Pensavas,
Cismavas,
E estavas
Tão pálida
Então;
Qual pálida
Rosa
Mimosa
No vale
Do vento
Cruento
Batida,
Caída
Sem vida.
No chão!

Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
— Não negues,
Não mintas...
Eu vi!

Autor: Casimiro de Abreu

Não se Esqueça de Ser Feliz!



Fatima Pessoa


Morre lentamente
Quem não viaja,
Quem não lê,
Quem não ouve música,
Quem não encontra graça em si mesmo

Morre lentamente
Quem destrói seu amor próprio,
Quem não se deixa ajudar.

Morre lentamente
Quem se transforma em escravo do hábito
Repetindo todos os dias os mesmos trajeto,
Quem não muda de marca,
Não se arrisca a vestir uma nova cor ou
Não conversa com quem não conhece.

Morre lentamente
Quem evita uma paixão e seu redemoinho de emoções, Justamente as que resgatam o brilho dos
Olhos e os corações aos tropeços.

Morre lentamente
Quem não vira a mesa quando está infeliz
Com o seu trabalho, ou amor,
Quem não arrisca o certo pelo incerto
Para ir atrás de um sonho,
Quem não se permite, pelo menos uma vez na vida, Fugir dos conselhos sensatos...

Viva hoje !
Arrisque hoje !
Faça hoje !
Não se deixe morrer lentamente !

 Martha Medeiros

Arte de amar


Ereni Wink



Se queres sentir a felicidade de amar, 
Esquece a tua alma. 
A alma é que estraga o amor. 
Só em Deus ela pode encontrar satisfação. 
Não noutra alma. 
Só em Deus - ou fora do mundo. 

As almas são incomunicáveis. 
Deixe o teu corpo entender-se com outro corpo, 
porque os corpos se entendem, mas as almas não. 

Autor: Manuel Bandeira

Você faz parte daqui