PROSAS EM VERSOS

SER POETA, É SENTIR AFLORAR DA PELE SENSIBILIDADE, É OUVIR O GRITO DOS QUE NADA DISSERAM, É VER POR UMA GAMA DE CORES INVISÍVEIS À MACROSCÓPICA VISÃO DOS INSENSÍVEIS, É PENETRAR IMPIEDOSAMENTE À ALMA HUMANA.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Fascínio




Aníbal Bastos




Do brilho dos teus olhos, o fascínio,
Tomou conta da minha imaginação,
Tentei lutar, tentei fugir; tudo em vão!
Sobre mim imperou o teu domínio!

Sem força, nem poder de raciocínio,
Deixei-me conduzir pela voz da paixão
E, ofuscado pelo fumo da ilusão,
Aceitei o meu próprio extermínio!

Corria atrás de ti, como um louco,
Corre atrás dum sonho imaginado,
Julgando alcançá-lo pouco a pouco!

Quando do fascínio-pesadelo,
Acordei e, vi que fora fascinado,
Jurei, por ti, não mais voltar a sê-lo!

A. Bastos (Júnior)

A uma senhora que me pediu versos




Ligia Shlochmann




Pensa em ti mesma, acharás
Melhor poesia,
Viveza, graça, alegria,
Doçura e paz.

Se já dei flores um dia,
Quando rapaz,
As que ora dou têm assaz
Melancolia.

Uma só das horas tuas
Valem um mês 
Das almas já ressequidas.

Os sóis e as luas
Creio bem que Deus os fez
Para outras vidas.

Machado de Assis

Sou areia que se esvai



Mô Schnepfleitner




"sou esta areia que se esvai
entre o cascalho e a duna
a chuva de Verão chove-me na vida
sobre mim a vida que me foge persegue-me
e vai acabar no dia do começo

caro instante vejo-te
nesta névoa que se levanta
quando não tiver de pisar estas longas soleiras movediças
e viver o espaço de uma porta
que se abre e que se fecha"

Samuel Becket
em Relâmpago n.º 13
tradução de Manuel Portela

Fascínio




Claudio Caldas Faria






De onde vem esse fascínio que me envolve?
De onde vem essa emoção que agora sinto?
Talvez seja do mar que a terra invade,
talvez seja do cheiro do sal, ou do calor molhado.
Olhando o horizonte fui contente,
mas agora restam o céu e o grito fino...
das gaivotas que me cercam, que me olham,
preso as garras desse amor... minha corrente.
E esse mar imenso me convence
que eu tenho que lutar, romper limites...
seguir rompendo com coragem, bravamente.

De onde vem esse fascínio que me resta?
de onde vem a solidão, que é tão presente?
Talvez do canto fino das gaivotas,
talvez do céu azul, da areia quente,
olhando o horizonte, o céu, a espuma,
eu vejo além do mar profundo e belo,
entendo seu mistério, seu suspence.
No grande mar que luta e não desiste
renovo a minha força, sufocada...
imito o mar bravio e luto novamente.

De onde vem essa emoção que agora sinto?
De onde vem esse fascínio que me envolve?
Vem do teu corpo, porto cáis, minha chegada.
Vem do teu amor, salgado, diferente.
Que me prende, me amarrra e devolve...
pra minha vida um gosto doce, vivo e quente.
E toda graça de te amar... profundamente!

Dete Reis · São João de Meriti, RJ
22/8/2008 ·

Anseios






Claudio Caldas Faria




Meu doido coração aonde vais,
No teu imenso anseio de liberdade?
Toma cautela com a realidade;
Meu pobre coração olha que cais!



Deixa-te estar quietinho! Não amais
A doce quietação da soledade?
Tuas lindas quimeras irreais,
Não valem o prazer duma saudade!


Tu chamas ao meu seio, negra prisão!
Ai, vê lá bem, ó doido coração,
Não te deslumbres o brilho do luar!...

Não 'stendas tuas asas para o longe...
Deixa-te estar quietinho, triste monge,
Na paz da tua cela, a soluçar...

(Florbela Espanca)

Fascínio ...




Claudio Caldas Faria





Você exerce em mim
um estranho fascínio
Eu nunca a vi e a conheço
Sei dos teus sonhos mais íntimos
Eu leio o teu coração .

Eu conheço os teus anseios
Tuas alegrias e tuas dores
Sei de teus sonhados amores
Sei quando está triste ou feliz.

Sei muito de você não sei explicar
Deve ser este gostoso fascínio
Que você desperta em mim

Não sei!


(Joe Luigi)

Eu




Claudio Caldas Faria





Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa tênue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver,
E que nunca na vida me encontrou!

(Florbela Espanca)

Na Mão de Deus




Aníbal Bastos




Na mão de Deus, na sua mão direita, 
Descansou afinal meu coração. 
Do palácio encantado da Ilusão 
Desci a passo e passo a escada estreita. 

Como as flores mortais, com que se enfeita 
A ignorância infantil, despojo vão, 
Depois do Ideal e da Paixão 
A forma transitória e imperfeita. 

Como criança, em lôbrega jornada, 
Que a mãe leva ao colo agasalhada 
E atravessa, sorrindo vagamente, 

Selvas, mares, areias do deserto... 
Dorme o teu sono, coração liberto, 
Dorme na mão de Deus eternamente! 

Antero de Quental, in "Sonetos"

Área Afectada



Mô Schnepfleitner



Apoderava-se das minhas palavras
como se fossem uma toalha do seu rosto
alguns utensílios reservados para a sua vida.
Eu escrevia casa e a casa teria de ser a defesa do nosso amor.
Eu escrevia cama e a cama transformava-se num jogo de silêncio.
Vivia por trás da minha escrita
como se preenchesse a alma de tudo o que não entendia.
Queria que eu mobilasse a vida só com palavras
breves imagens que fossem o retrato do meu pensamento.
Eu proporcionava-lhe a felicidade como um enigma
em cada palavra um sentimento formalmente virtual
depois abandonava-a com a ilusão do espaço decorativo.
.
Fernando Esteves Pinto
em Área Afectada




Angela Mendes





Quando estás vestida,
Ninguém imagina
Os mundos que escondes
Sob as tuas roupas.

(Assim, quando é dia,
Não temos noção
Dos astros que luzem
No profundo céu.

Mas a noite é nua,
E, nua na noite,
Palpitam teus mundos
E os mundos da noite.

Brilham teus joelhos,
Brilha o teu umbigo,
Brilha toda a tua
Lira abdominal.

Teus exíguos
- Como na rijeza
Do tronco robusto
Dois frutos pequenos -

Brilham.) Ah, teus seios!
Teus duros mamilos!
Teu dorso! Teus flancos!
Ah, tuas espáduas!

Se nua, teus olhos
Ficam nus também:
Teu olhar, mais longe,
Mais lento, mais líquido.

Então, dentro deles,
Bóio, nado, salto
Baixo num mergulho
Perpendicular.

Baixo até o mais fundo
De teu ser, lá onde
Me sorri tu'alma
Nua, nua, nua...

Fonte: Manuel Bandeira

No Campo





Claudio Caldas Faria





Tarde. Um arroio canta pela umbrosa
Estrada; as águas límpidas alvejam
Como cristais. Aragem suspirosa
Agita os roseirais que ali vicejam.

No Alto, entretanto, os astros rumorejam
Um presságio de noute luminosa
E ei-la que assoma - a louca Tenebrosa,
Branca, emergindo às trevas que a negrejam.

Chora a corrente múrmura, e, à dolente 
Unção da noute, as flores também choram 
Num chuveiro de pétalas, nitente,

Pendem e caem - os roseirais descoram
E elas boiam no pranto da corrente
Que as rosas, ao luar, chorando enfloram.

Augusto dos Anjos

Mar Picado



Orlando Costa Filho




Você arrancou-me um pedaço
como os dentes que rompem um tasco
da maçã.

Com a boca cheia e adocicada fugiu
e o que sobrou deixou abandonado
ao relento.

Desaprendi a beleza das manhãs
sempre de olho na estrada,
no ar, no mar, aguardando
sinais de você.

Montanhas de cumes cobertos
por espessas nuvens cinzas
há muito anunciam um forte temporal
às 6 da tarde.
Não há, contudo, relâmpagos raios trovões...
eis o meu coração!

Ante o medo que arromba minha porta
para sentar-se na poltrona ao lado
como um navio gigante que aporta,
grito: "não temo mar picado."

Vivo os ventos da noite
e já não espero pelo amanhecer.
Aquela que não me quis
e que arrebatei-a no açoite

hoje assovia feliz
verseja com o giz da língua
na lousa da noite e diz
não ser de todo ruim viver comigo
um navegador, louco e solitário,
ora doce, ora amargo,
sempre por um triz.

Tenho dois olhos d'água
nascedouros dos rios em que nadam minhas dores.
Lambem minha face e eu seus sabores,
e ainda que seus cursos sejam sinuosos,
deságuam na foz da esperança.

Entretanto, não desperdiço o tempo
de uma música, de um charuto, de um vinho
de um beijo - quem sabe...?
Pois o resto, eis a realidade:
se perde nos ventos da eternidade...

ocf

Consolo na Praia




Angela Mendes





Vamos, não chores...
A infância está perdida.
A mocidade está perdida.
Mas a vida não se perdeu.
O primeiro amor passou.
O segundo amor passou.
O terceiro amor passou.
Mas o coração continua.
Perdeste o melhor amigo.
Não tentaste qualquer viagem.
Não possuis casa, navio, terra.
Mas tens um cão.
Algumas palavras duras,
em voz mansa, te golpearam.
Nunca, nunca cicatrizam.
Mas, e o” humor“?
A injustiça não se resolve.
À sombra do mundo errado
murmuraste um protesto tímido.
Mas virão outros.

Tudo somado, devias
precipitar-te, de vez, nas águas.
Estás nu na areia, no vento...
Dorme, meu filho.

( Carlos Drummond de Andrade)..

As Minhas Rosas


Mô Schnepfleitner





Sim! a minha ventura quer dar felicidade;
Não é isso que deseja toda a ventura?
Quereis colher as minhas rosas?
Baixai-vos então, escondei-vos,
Entre as rochas e os espinheiros,
E chupai muitas vezes os dedos.
Porque a minha ventura é maligna,
Porque a minha ventura é pérfida.
Quereis apanhar as minhas rosas?

Friedrich Nietzsche,
 in "A Gaia Ciência"

As a cat



Orlando Costa Filho




Vejo mulheres tamborins e maridos baquetas
Crianças com olhar de garoupa abatida
Línguas negras lambendo as praias
Cachimbos de crack jogados em terrenos baldios
Governos e governados quebrando pactos, desgovernados
Polícia garantindo ordens de despejo
Deram férias ad aeternum ao carinho e ao respeito
O amor tomou o avião com passagem só de ida
And too shy to say
Eu a tudo assisto das calçadas, dos telhados...
Independente e solitário como um gato
Mas eu mio como criança contrariada

ocf

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