PROSAS EM VERSOS

SER POETA, É SENTIR AFLORAR DA PELE SENSIBILIDADE, É OUVIR O GRITO DOS QUE NADA DISSERAM, É VER POR UMA GAMA DE CORES INVISÍVEIS À MACROSCÓPICA VISÃO DOS INSENSÍVEIS, É PENETRAR IMPIEDOSAMENTE À ALMA HUMANA.

sábado, 7 de julho de 2012

Ladrão




João Paulo Brasileiro




Tantos caminhos tentaram me chamar...
E então, fui obrigado a roubar atalhos!
Tantas noites tentaram me convencer...
E então, fui obrigado a roubar manhãs!
Forçado pelas horas que me envolvem
Tornei-me ladrão de mim!
Roubei o meu próprio mel
Deixando tanto fel!
Tenho sim, alguma cor em meus dias...!
porque sem você perceber, roubei do seu arco íris!
Tenho sim, algum momento doce...!
porque roubei de seus olhos uma gotinha de mel!
Procuro dormir na intenção de roubar as chaves do seu mundo!
Abrir suas trincheiras!
Invadir teus sonhos!
Roubar sua atenção!

Vou seguindo assim, pura ilusão!

Mas, e agora?
Não sei o que faço!
Descobri que não posso ir até você!
Roubaram o chão de meus pés!
Não posso te dar o calor da minha vida
Roubaram o sangue de minhas veias!
Roubaram as certezas, que guardei com tanta certeza!
Roubaram as rimas que consegui da lua!
Que imaginei ser minha, para poder ser tua!
E agora?
Serei roubado?
Devo roubar?
Talvez roube algumas lágrimas que meus olhos tanto escondem!
E que mudas...
Não respondem!

Tento roubar seus momentos...
Mas, deles, roubaram o calor
Só não roubam a minha dor!

Então, convencido, eu juro!
Não chorarei por mim, nem por ti!
Nem chorarei agora, nem depois!
Se acaso puder roubar um choro!
Chorarei pelo amor,
que um momento moleque...
Roubou de nos dois!

A arte de ser feliz



Angela Mendes




Houve um tempo em que minha janela se abria
sobre uma cidade que parecia ser feita de giz.
Perto da janela havia um pequeno jardim quase seco.
Era uma época de estiagem, de terra esfarelada,
e o jardim parecia morto.
Mas todas as manhãs vinha um pobre com um balde,
e, em silêncio, ia atirando com a mão umas gotas de água sobre as plantas.
Não era uma rega: era uma espécie de aspersão ritual, para que o jardim não morresse.
E eu olhava para as plantas, para o homem, para as gotas de água que caíam de seus dedos magros e meu coração ficava completamente feliz.
Às vezes abro a janela e encontro o jasmineiro em flor.
Outras vezes encontro nuvens espessas.
Avisto crianças que vão para a escola.
Pardais que pulam pelo muro.
Gatos que abrem e fecham os olhos, sonhando com pardais.
Borboletas brancas, duas a duas, como refletidas no espelho do ar.
Marimbondos que sempre me parecem personagens de Lope de Vega.
Ás vezes, um galo canta.
Às vezes, um avião passa.
Tudo está certo, no seu lugar, cumprindo o seu destino.
E eu me sinto completamente feliz.
Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas,
que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem,
outros que só existem diante das minhas janelas, e outros,
finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim.

Cecília Meireles

Percepções





Basilina Divina Pereira




...e de repente o abismo.
O que se faz diante dele?
Mais um passo e... passo.
Retrocesso? Não há.

Apenas alguns momentos:
imagens urgentes e concisas,
precisas.
Há um beija-flor pousando no ar.
Há amigos, se eu soube cativá-los,
cascatas, rios, se eu tive tempo de percebê-los,
há os filhos, se eu tive coragem de concebê-los
e a orquídea, presente maior da natureza.
Então, valeu a pena

Basilina Pereira
Poema que está no meu primeiro livro: QUASE POESIA

Silêncio




Ereni Wink




Trouxe do meu íntimo
A verdade mais oculta
Coloquei diante de ti
Minha alma em andrajos
Expus-me ao limiar
Do seu ultimato
E como recompensa
Recebo em retribuição
A frieza do seu
Tácito sorriso...


Gerson F. Filho

Direito




Aníbal Bastos




Fazer o direito torto,
Do torto fazer direito,
Para uns é desconforto;
Para outros é proveito!
O direito semimorto,
Às vezes faz muito jeito!

Quando é mal aplicado,
Por excesso ou defeito
E, dando mau resultado,
Provado pelo efeito,
Usa-se o velho ditado:
“Não existe ser perfeito!”

Porém se num julgamento,
Um ignorante sujeito,
Num exaltado momento,
Viu-se metido num pleito!
De nada serve o juramento,
De desconhecer o direito!

O desconhecer a lei,
Não iliba qualquer réu,
Porque o dizer: - Não sei!
O crime que cometeu,
Não o desculpa na grei,
Nem lhe limpa o labéu!

Num estado de direito,
Tratar a constituição,
Com o devido respeito,
Deve qualquer cidadão!
Esteja de facha ao peito,
Ou de cajado na mão!

E dentro deste conceito,
Comete grave perjúrio,
Quem jurou ao ser eleito,
Em voz alta e,- não murmúrio -
Cumpri-la, mas não tem feito,
Não espere bom augúrio!

Fazer do feito, desfeito,
Sem estado de excepção,
É não cumprir o preceito,
Nem respeitar a razão,
Que num estado de direito,
É do povo a nação!

A. Bastos (Júnior)

Poema em linha reta



Claudio Caldas Faria





Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...

Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.

FERNANDO PESSOA

Canção para um Homem e um Rio


Mô Schnepfleitner




Porque era um homem sincero
eu o levei ao rio entre junquilhos.
Mas sincero não era
era só homem
e deixei nos junquilhos a esperança
de dar à minha espera serventia.

Porque era um homem forte
eu o levei ao rio entre junquilhos.
Mas forte ele não era
era só homem
e entre pedras deixei o meu desejo
de abandonar o arado, a forja, e a lança.

Porque podia me amar
eu o levei ao rio entre junquilhos.
Mas amante não era
era só homem
e na água afoguei a minha sede
de palavras mais doces que ambrosia.

Porque era um homem
só homem
eu o levei ao rio entre junquilhos.

Marina Colasanti

Chamados


Basilina Divina Pereira
ESQUENTANDO OS MOTORES:

CHAMADOS



E nossos passos, contrafeitos,
deixam-se ir em direções opostas.
Em nossas lembranças,
chamados latentes
de um tempo contrário
onde um brilho que cintilava em nosso olhar
pulsava em forma de encanto.
Hoje, seguem lentos,
como se o peso dos anos
estivessem amarrados em nossas vestes
e não em nossos corações.
Em pequenos lapsos,
ressurgem pegadas outras
que convergem ávidas
para o toque das mãos,
mas como miragem,
o passado voa
e nós, seguimos a pé.

Basilina Pereira

Perfil Feminino



Maria Salete Ariozi



Perfil feminino tingido de cores da madrugada.
São delicadas pálpebras que guardam o brilho dos olhos.
Rosto com desenho encantado, um olhar observador.
Musa de um coração, emoções que se fizeram em versos.

Emana da epiderme o calor do corpo em descanso.
Ressona em seus sonhos, enquanto olhos a observam.
Um sorriso perdido nas horas vadias, felicidade de menino.
Nada quer, basta deixar o olhar pousar no aconchego da visão.

Entre os lábios róseos entreabertos, dentes brancos descansam.
Os cabelos cobrem o ombro, ainda que desfeitos, belos.
Repousa o corpo, mas os sentimentos divagam pela alma.
Um sonho consciente, uma idealização sobre o que já é mito.

O belo não tem medida, é encanto que fascina e ponto.
E vai longe de ideais estéticos, são os detalhes que fazem a graça.
Qual seria o caminho do desejo? Impulso da subjetividade
Ou impacto causado pelo objeto que cria a atração?

Pintura de paixão, com tons do amor que quer surgir.
Num misto de criatura profana e místico anjo de Deus.
Como não encantar? Mesmo em seu silêncio adormecido,
Descansa despojada de gestos, e ainda assim os tem.

Magia feminina, encantos de mulher, feitiço de fada...
Haverá de produzir taquicardias, brincará com emoções.
Brindará com quem lhe olha com seu olhar de promessa,
E nada dirá, pois que já se faz tanto, que se basta.

Gilberto Brandão Marcon

Saudade



Maria Salete Ariozi



Por que sinto falta de você? Por que esta saudade?
Eu não te vejo mas imagino suas expressões, sua voz teu cheiro.
Sua amizade me faz sonhar com um carinho,
Um caminhar, a luz da lua, a beira mar.
Saudade este sentimento de vazio que me tira o sono
me fazendo sentir num triste abandono, é amizade eu sei, será amor talvez...
Só não quero perder sua amizade, esta amizade...
Que me fortalece me enobrece por ter você.

Machado de Assis

Mulher


Maria Salete Ariozi




Um ente de paixão e sacrifício,
De sofrimento cheio, eis a mulher!
Esmaga o coração dentro do peito,
E nem te doas coração, sequer!

Sê forte, corajoso, não fraquejes
Na luta: sê em Vénus sempre Marte;
Sempre o mundo é vil e infame e os homens
Se te sentem gemer hão-de pisar-te!

Se à vezes tu fraquejas, pobrezinho,
Essa brancura ideal de puro arminho
Eles deixam pra sempre maculada;

E gritam então vis: "Olhem, vejam
É aquela a infame!" e apedrejam
a pobrezita, a triste, a desgraçada!

Ó Mulher! Como é fraca e como és forte!
Como sabes ser doce e desgraçada!
Como sabes fingir quando em teu peito
A tua alma se estorce amargurada!

Quantas morrem saudosas duma image
Adorada que amaram doidamente!
Quantas e quantas almas endoidecem
Enquanto a boca ri alegremente!

Quanta paixão e amor às vezes têm
Sem nunca o confessarem a ninguém
Doces almas de dor e sofrimento!

Paixão que faria a felicidade
Dum rei; amor de sonho e de saudade,
Que se esvai e que foge num lamento!

Florbela Espanca

Psiu...





Simone Ribeiro





Um gesto.
um momento.
Um movimento!

Não basta. 
Não cala.
Não abafa.

A saudade.
A ansiedade.
A carência....

Teu toque...
Tua voz...
Tuas palavras.

Teus pensamentos...
E o resto?
Você sabe.

Autoria: SIMONE RIBEIRO

Você faz parte daqui