PROSAS EM VERSOS

SER POETA, É SENTIR AFLORAR DA PELE SENSIBILIDADE, É OUVIR O GRITO DOS QUE NADA DISSERAM, É VER POR UMA GAMA DE CORES INVISÍVEIS À MACROSCÓPICA VISÃO DOS INSENSÍVEIS, É PENETRAR IMPIEDOSAMENTE À ALMA HUMANA.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Continuarei...




Fátima Custódio



Ainda que as íngremes escarpas 
Suspensas na noite 
Me façam calar a lucidez 
Circunscrita 
Á dura realidade dos dias 

Continuarei... 

Ainda que seja longa 
A distância 
Entre mim e o ontem 
E as horas nos pêndulos 
Á mercê do tempo.. 

Continuarei.. 

Ainda que se rompem os ouvidos, 
Guerreiros por nada terem pedido 
E mesmo que a vida me sinta solidão 
Continuarei... 

Longa é a disttância 
Entre mim e o ontem... 

Continuarei, ainda que sinta 
Os sons da aridez 
Duma terra selvagem 
Que o homem cultivou... 

Mudaram os lugares 
Onde vivi, e por onde passei 
Mas continuarei... 

Enquanto as fagulhas 
Que nascem de mim. 
Em silêncio, ou não, 
Sejam na vida 
A marca dos meus sentidos 
Continuarei... 

Fátima Custódio

Noite



Ereni Wink



Lá vem a noite, que sequestra a claridade
nos impondo a escuridão.
Que sossega tantos sonhos num manto de saudade,
soluços e mansidão.

Noite que se apaixona, na penumbra dos amantes,
no fascínio do brilhar.
Que não vê, mas insinua, uma poesia nua
brincando no seio lunar.

Quantas faces ela tem no semblante ofuscado,
no véu da rua vazia,?
Que sem piedade anuncia a tristeza adocicada,
em dolorosa alegria.

Noite das vozes roucas que engasgam solidão,
no pranto de ébrias canções.
Dos sonos aprisionados, dos olhos arregalados
em retratos de ilusões.

O que te faz tão minha, neste assombro turvo
de beleza e atração?
São teus segredos guardados, junto aos meus predestinados
na busca da inspiração...

Charlyane Mirielle 

Pontes




Lucinha Santos




Não consegui atravessar o muro do teu coração
Tentei escalar, alto demais!
Tentei derrubar, forte demais!!
Talvez se eu tivesse tentado mais, não desistido no meio
do esforço, ou talvez se você tivesse dito, não desista.
Não foi falta de v
ontade, foi falta de apoio.
Eu teria conseguido entrar e ocupar o espaço que eu tanto queria.
Não consegui, mas é que não to acostumada a muros:
Eu construo pontes entre um coração e outro.

Lucinha ♥

Noite de Saudade




Fatima Pessoa




A noite vem pousando devagar
Sobre a terra, que inunda de amargura…
E nem sequer a bênção do luar
A quis tornar divinamente pura…

Ninguém vem atrás dela a acompanhar
A sua dor que é cheia de tortura…
E eu ouço a noite imensa soluçar!
E eu ouço soluçar a noite escura!

Porque és assim tão ‘scura, assim tão triste?!
É que, talvez, ó noite, em ti existe
Uma saudade igual à que eu contenho!

Saudade que eu nem sei donde me vem…
Talvez de ti, ó noite!… Ou de ninguém!…
Que eu nunca sei quem sou, nem o que tenho!

de Florbela Espanca

Ó Noite, Coalhada nas Formas de um Corpo de Mulher




Ereni Wink


Ó noite, coalhada nas formas de um corpo de mulher
vago e belo e voluptuoso,
num bailado erótico, com o cenário dos astros, mudos
[e quedos.
Estrelas que as suas mãos afagam e a boca repele,
deixai que os caminhos da noite,
cegos e rectos como o destino,
suspensos como uma nuvem,
sejam os caminhos dos poetas
que lhes decoraram o nome.
Ó noite, coalhada nas formas de um corpo de mulher!
Esconde a vida no seio de uma estrela
e fá-la pairar, assim mágica e irreal,
para que a olhemos como uma lua sonâmbula.

Fernando Namora, 
in "Mar de Sargaços"

Uma Cidade




Ereni Wink



Uma cidade pode ser
apenas um rio, uma torre, uma rua
com varandas de sal e gerânios
de espuma. Pode
ser um cacho
de uvas numa garrafa, uma bandeira
azul e branca, um cavalo
de crinas de algodão, esporas
de água e flancos
de granito.
Uma cidade
pode ser o nome
dum país, dum cais, um porto, um barco
de andorinhas e gaivotas
ancoradas
na areia. E pode
ser
um arco-íris à janela, um manjerico
de sol, um beijo
de magnólias
ao crepúsculo, um balão
aceso

numa noite
de junho.

Uma cidade pode ser
um coração,
um punho.

Albano Martins,
 in "Castália e Outros Poemas"

A Estrela



Maria Salete Ariozi




Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alta luzia?

E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.

(Manuel Bandeira)

Nu



Maria Salete Ariozi




Quando estás vestida,
Ninguém imagina
Os mundos que escondes
Sob as tuas roupas.

(Assim, quando é dia,
Não temos noção
Dos astros que luzem
No profundo céu.

Mas a noite é nua,
E, nua na noite,
Palpitam teus mundos
E os mundos da noite.

Brilham teus joelhos,
Brilha o teu umbigo,
Brilha toda a tua
Lira abdominal.

Teus exíguos
- Como na rijeza
Do tronco robusto
Dois frutos pequenos -

Brilham.) Ah, teus seios!
Teus duros mamilos!
Teu dorso! Teus flancos!
Ah, tuas espáduas!

Se nua, teus olhos
Ficam nus também:
Teu olhar, mais longe,
Mais lento, mais líquido.

Então, dentro deles,
Bóio, nado, salto
Baixo num mergulho
Perpendicular.

Baixo até o mais fundo
De teu ser, lá onde
Me sorri tu'alma
Nua, nua, nua...

(Manuel Bandeira)

Se Gepeto fosse




Jorge Morais


se Gepêto fosse
ter-te-ia moldado
no gume da navalha
enquanto mulher

o celebre nariz cresceria
sempre que da tua beleza
se falasse
pintar-te ia com olhos
tons de céu
e ondulava teus cabelos
como se de marés se tratassem
num fim de tarde
de um oiro puro
tanto quanto puros
são os sentimentos
que por ti nutro
se te tivesse tido
na minha imaginária
oficina
acredita ter-te-ia
feito pura
feito bela
terte-ia
feito como és


jorge morais

Brilhe!



Maria Salete Ariozi




Perguntei ao sol
Qual o segredo
Para sempre iluminar

Ele respondeu:
Perca o medo
Deixe seu coração falar

Perguntei a flor
Qual a magia
Para tudo perfumar
Ela respondeu:
Sorria!
Só amor irá exalar

Perguntei a lua
Qual o mistério
Para o poeta inspirar
Ela disse baixinho:
Aceite o brilho dos outros
Você também pode brilhar!

Sirlei L. Passolongo

Noite infinita



Ereni Wink





Figurei que a madrugada traria
maior discrição que o dia, errei.
Iludi-me com o manto da noite
e seus brilhos de prataria.
Sem palavras, sem chão,
vi-me no olho do furacão.
Uma força descomunal
levando-me sob seus caprichos.
Eu com os olhos cegados,
a boca costurada, as mãos atadas,
perplexa e sozinha com meus ais.
O furacão em sua fúria, me castiga,
em verdade e com razão, contudo,
me vira do avesso, redime, volta a paz,
que seguindo o curso da natureza
vai me levando, incisivo, como você quer,
pra bem longe de ti, longe, sempre mais...

Na vida, há furacões. Nele conhecemos as pessoas!
Obrigada por me ler. Beijos.
Elisa Maria Gasparini Torres
18/06/2009

Sonho




Aníbal Bastos





Vesti os andrajos de vagabundo,
Pus-me a caminho, cruzei fronteiras,
Transpus obstáculos e barreiras,
E neste andar percorri o mundo!

Naveguei nas águas do mar profundo,
Galguei montanhas, serras e cordilheiras,
Procurei encontrar de mil maneiras,
A fonte donde jorrasse o jucundo!

Conheci outras terras, outras gentes;
Outras formas de vida diferentes,
Tal qual a vida que eu sempre sonhei!

Entre paz, amor e fraternidade,
Quando me sinto feliz de verdade,
O relógio despertou! Eu acordei!

A. Bastos (Júnior)

Teia montada



Jorge Morais



teia montada
libélula apreendida
asas transparentes
seios eloquentes
fome saciada
morte anunciada
prolongamento da vida
nu determinado
sem roupas vestida
donzelinha penhorada
em noites escondida
em lagos povoada
de voo em forma
marcada
com hélices de
palhetas montadas
esvoaçam de encontro
a urdidura bordada
cuja vida foi
descartada
agora jaz numa teagem
montada
que não existe legislação
que a faça ser absolvida
mesmo tendo sido
violada
da sua própria vida

jorge morais

A Noite Desce



Maria Salete Ariozi




Como pálpebras roxas que tombassem 
Sobre uns olhos cansados, carinhosas, 
A noite desce... Ah! doces mãos piedosas 
Que os meus olhos tristíssimos fechassem! 

Assim mãos de bondade me beijassem! 
Assim me adormecessem! Caridosas 
Em braçados de lírios, de mimosas, 
No crepúsculo que desce me enterrassem! 

A noite em sombra e fumo se desfaz... 
Perfume de baunilha ou de lilás, 
A noite põe embriagada, louca! 

E a noite vai descendo, sempre calma... 
Meu doce Amor tu beijas a minh'alma 
Beijando nesta hora a minha boca! 

Florbela Espanca

Ternura



Mô Schnepfleitner




"Sou uma céptica que crê em tudo,
uma desiludida cheia de ilusões,
uma revoltada que aceita, sorridente,
todo o mal da vida, uma indiferente a transbordar de ternura."

Florbela Espanca


Estrada


Angela Mendes




Esta estrada onde moro, entre duas voltas do caminho,
Interessa mais que uma avenida urbana.
Nas cidades todas as pessoas se parecem.
Todo o mundo é igual. todo o mundo é toda a gente.
Aqui, não: sente-se bem que cada um traz a sua alma.
Cada criatura é única.
Até os cães.
Estes cães da roça parecem homens de negócios:
Andam sempre preocupados.
E quanta gente vem e vai!
E tudo tem aquele caráter impressivo que faz meditar:
Enterro a pé ou a carrocinha de leite puxada por um bodezinho
manhoso.
Nem falta o murmúrio da água, para sugerir, pela voz dos símbolos,
Que a vida passa! que a vida passa!
E que a mocidade vai acabar.

Manuel Bandeira

Fatima Pessoa - Foto = O AMIGO DO LÉO



Fatima Pessoa
O amigo do Léo



Cãozinho alegre

Cãozinho faceiro
Quer colo e carinho 
Quer amor o bichinho

Amigo do Léo
Amigo feliz!
Quer colo e chamego
Pra não latir o dia inteiro!
(Fatima Pessoa)

A amizade



Angela Mendes




A amizade
é o mais belo afluente do amor,
ela ajuda a resolver,

com paciência,
as complicadas equações
da convivência humana.

A amizade
é tão forte quanto o amor,
ela o educa,
sinalizando o caminho da coerência,
apontando as veredas da justiça
controlando os excessos da paixão.

A amizade
é um forte elo que une pessoas
na corrente do querer.

Amizade
é cola divina,
cola demais,
pode doer.
A amizade
tem muito mais
juízo que o amor,
quando ele se esgota
e cisma de ir embora,
ela se propõe a ficar
vigiando
o sentimento que sobrou.

Ivone Boechat

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