PROSAS EM VERSOS

SER POETA, É SENTIR AFLORAR DA PELE SENSIBILIDADE, É OUVIR O GRITO DOS QUE NADA DISSERAM, É VER POR UMA GAMA DE CORES INVISÍVEIS À MACROSCÓPICA VISÃO DOS INSENSÍVEIS, É PENETRAR IMPIEDOSAMENTE À ALMA HUMANA.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Mar Picado



Orlando Costa Filho




Você arrancou-me um pedaço
como os dentes que rompem um tasco
da maçã.

Com a boca cheia e adocicada fugiu
e o que sobrou deixou abandonado
ao relento.

Desaprendi a beleza das manhãs
sempre de olho na estrada,
no ar, no mar, aguardando
sinais de você.

Montanhas de cumes cobertos
por espessas nuvens cinzas
há muito anunciam um forte temporal
às 6 da tarde.
Não há, contudo, relâmpagos raios trovões...
eis o meu coração!

Ante o medo que arromba minha porta
para sentar-se na poltrona ao lado
como um navio gigante que aporta,
grito: "não temo mar picado."

Vivo os ventos da noite
e já não espero pelo amanhecer.
Aquela que não me quis
e que arrebatei-a no açoite

hoje assovia feliz
verseja com o giz da língua
na lousa da noite e diz
não ser de todo ruim viver comigo
um navegador, louco e solitário,
ora doce, ora amargo,
sempre por um triz.

Tenho dois olhos d'água
nascedouros dos rios em que nadam minhas dores.
Lambem minha face e eu seus sabores,
e ainda que seus cursos sejam sinuosos,
deságuam na foz da esperança.

Entretanto, não desperdiço o tempo
de uma música, de um charuto, de um vinho
de um beijo - quem sabe...?
Pois o resto, eis a realidade:
se perde nos ventos da eternidade...

ocf

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