Fernando Martinho
Tu és o cálice;
Eu, o orvalho!
Se me não vales,
Eu o que valho?
Eu se em ti caio
E me acolheste
Torno-me um raio
De luz celeste!
Tu és o colo
Onde me embalo,
E acho consolo,
Mimo e regalo:
A folha curva
Que se aljofara,
Não d'água turva,
Mas d'água clara!
Quando me passa
Essa existência,
Que é toda graça,
Toda inocência,
Além da raia
D'este horizonte—
Sem uma faia,
Sem uma fonte;
O passarinho
Não se consome
Mais no seu ninho
De frio e fome,
Se ela se ausenta,
A boa amiga,
Ah! que o sustenta
E que o abriga!
Sinto umas magoas
Que se confundem
Com as que as águas
Do mar infundem!
E quem um dia
Passou os mares
É que avalia
Esses pesares!
Só quem lá anda
Sem achar onde
Sequer expanda
A dor que esconde;
Longe do berço,
Morrendo á mingua,
País diverso...
Diversa língua...
Esse é que sabe
O meu tormento,
Mal se me acabe
Aquele alento!
Ah, nuvem branca
Ah, nuvem d'oiro!
Ninguém me estanca
Amargo choro;
E assim que passes
Mesmo de largo...
Vê n'estas faces
Se ha pranto amargo.
Tu és o norte
Que me desvias
De ir dar á morte
Todos os dias;
A larga fita
Que d'alto monte
Cerca e limita
O horizonte!
Tu és a praia
Que eu solicito!
Tu és a raia
D'este infinito!
Se há uma gruta
Onde me esconda
Á força bruta
Que traz a onda;
Á força imensa
D'esta corrente
D'alma que pensa,
Alma que sente;
Se há uma vela,
Se há uma aragem,
Se há uma estrela,
N'esta viagem...
É quem eu amo,
A quem adoro!
E por quem chamo!
E por quem choro!
João de Deus, in 'Ramo de Flores'
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