Conversa afiada

Orlando Costa Filho



Parceiro, seguinte:
não estou interessado se borboletas azuis ou amarelas te atraem
se o cantar dos pássaros ou as ondas na arrebentação te
[remetem ao sublime
se o sorriso da criança no colo da jovem mãe te encanta
[e você diz: “Deus existe!”
Isso, amigo, pura mesmice e trivialidade.

Quero, sim, conhecer o tanto que você dá
de você pra você e deste para todos;
quero saber se consegue voar como borboleta
de olhos fechados quando o bicho pega
e ainda assim reproduzir o canto dos pássaros
nas regiões abissais do seu ser...

...se o seu olhar reflete a calmaria
como a que existe no olhar dos maratimbas
dos caiçaras
que conduzem seus cascos fazendo água
em mar encapelado, despenteado e enfurecido
estourando as calçadas onde um dia você pousou de galã
junto a quem jurou amor eterno.

Não quero saber de versinhos rimando
ninho com passarinho
flor com amor
braço com abraço
vento e catavento.
Tô cagando pra tolices deste naipe
e cansado de ver neguinho horas a fio
vendendo o que não é pelo skype.

Quero saber dos seus rabiscos
em que medo rima com confiança
ansiedade com domínio
derrota com persistência
end loving com resignação!

Não me venha descrever seu peculiar jeito de ser
prefiro ver sua caligrafia após a descoberta
da marca de baton na sua cueca
ou você descascar uma laranja com faca amolada
enquanto suas pupilas se fixam nas minhas.

Perceber
se quando o inimigo estiver na espreita
você desviará o olhar ou se saberá distinguir
quem é o diabo e quem é a cruz!
Não me interessa seu retrato três por quatro
ou seu passaporte carimbado.
Me interessa, isso sim
a conversa afiada como a navalha da Mme Satã
afinada no mesmo diapasão do minuano
e sentir o que você tem de mim e eu de você
se estamos no mesmo barco ou
se há alguma linha divisória entre nós.

ocf
Castelo/ES, 19/08/2010