PROSAS EM VERSOS

SER POETA, É SENTIR AFLORAR DA PELE SENSIBILIDADE, É OUVIR O GRITO DOS QUE NADA DISSERAM, É VER POR UMA GAMA DE CORES INVISÍVEIS À MACROSCÓPICA VISÃO DOS INSENSÍVEIS, É PENETRAR IMPIEDOSAMENTE À ALMA HUMANA.

terça-feira, 27 de março de 2012

A Invenção do "O"


Ereni Wink




Na Era da Pedra Lascada
da linguagem falada
antes de inventarem a letra
que imitava a lua cheia
as palavras significavam nada
e a Terra era parada
-- pau, piche, laje, areia.
Nada se mexia
era uma pasmaria
e ninguém dizia a que vinha
nem dizia a que ia.
A frase ficava estática
de maneira majestática
e grandes falas presumíveis
permaneciam indizíveis
-- eram imagens invisíveis
a distâncias invencíveis
apenas adivinhadas
e jamais articuladas.
Vivia-se em cavernas mentais
numa inércia dramática.
Transitar, nem pensar.
Ninguém mudava de lugar
que dirá de sintática.
Aí inventaram o "O"
e foi algo portentoso.
Assombroooso, maravilhoooso.
Tudo começou a rolar
e a se movimentar.
Palavras viraram pontes,
e o Homem ganhou "horizontes"
e viajou aos montes
montado na nova vogal.
E hoje existe a convicção
que sem a sua invenção
não haveria Civilização
ou qualquer noção de moral.
Um dia, como o raio inaugural
sobre o primeiro pantanal,
aquele que deu vida a tudo,
veio o acento agudo.
E então começou a História
e o Homem pôde, afinal
com todas as letras,
cantar vitória.
(Depois, é verdade
ficaram retóricos
e até um pouco gongóricos.
Mas isso, tenham dó,
não é culpa do "ó".)

Luis Fernando Veríssimo.

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