PROSAS EM VERSOS

SER POETA, É SENTIR AFLORAR DA PELE SENSIBILIDADE, É OUVIR O GRITO DOS QUE NADA DISSERAM, É VER POR UMA GAMA DE CORES INVISÍVEIS À MACROSCÓPICA VISÃO DOS INSENSÍVEIS, É PENETRAR IMPIEDOSAMENTE À ALMA HUMANA.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O AMOR - PROSAS DO TEMA




Fernando Martinho

O Amor, Meu Amor





Nosso amor é impuro

como impura é a luz e a água
e tudo quanto nasce
e vive além do tempo.



Minhas pernas são água,
as tuas são luz
e dão a volta ao universo
quando se enlaçam
até se tornarem deserto e escuro.
E eu sofro de te abraçar
depois de te abraçar para não sofrer.



E toco-te
para deixares de ter corpo
e o meu corpo nasce
quando se extingue no teu.



E respiro em ti
para me sufocar
e espreito em tua claridade
para me cegar,
meu Sol vertido em Lua,
minha noite alvorecida.



Tu me bebes
e eu me converto na tua sede.
Meus lábios mordem,
meus dentes beijam,
minha pele te veste
e ficas ainda mais despida.



Pudesse eu ser tu
E em tua saudade ser a minha própria espera.



Mas eu deito-me em teu leito
Quando apenas queria dormir em ti.



E sonho-te
Quando ansiava ser um sonho teu.



E levito, voo de semente,
para em mim mesmo te plantar
menos que flor: simples perfume,
lembrança de pétala sem chão onde tombar.



Teus olhos inundando os meus
e a minha vida, já sem leito,
vai galgando margens
até tudo ser mar.
Esse mar que só há depois do mar.


Mia Couto, in "idades cidades divindades"



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