PROSAS EM VERSOS

SER POETA, É SENTIR AFLORAR DA PELE SENSIBILIDADE, É OUVIR O GRITO DOS QUE NADA DISSERAM, É VER POR UMA GAMA DE CORES INVISÍVEIS À MACROSCÓPICA VISÃO DOS INSENSÍVEIS, É PENETRAR IMPIEDOSAMENTE À ALMA HUMANA.

sábado, 8 de setembro de 2012

UMA CARTA AO PRIMEIRO AMOR. ✿ (◠‿◠)•*¨*•☼•*¨*•♥






UMA CARTA AO PRIMEIRO AMOR. ✿ (◠‿◠)•*¨*•☼•*¨*•♥

Minha Querida

Não sei porquê, hoje lembrei-me de ti. Sim. Reconheço que a tua imagem já está um pouco difusa na minha mente. Talvez parecida com uma daquelas fotos antigas que o tempo pintou com uma cor amarelada, fazendo-nos lembrar a distancia no tempo a que as imagens estão.

Não é uma atitude negativa a comparação que acabei de fazer, bem pelo contrário, já que tenho fotografias assim, as quais, sempre as trato com imenso carinho quando as tenho nas minhas mãos.

E tens que reconhecer não ser de ontem a imagem que guardo de ti.

Que idade tínhamos?

Talvez a mesma. Eu tinha 6 ou 7 anitos e tu por lá andarias.

Qual é o teu nome?

Confesso que não sei. Mas deixa-me dizer-te como realmente me recordo de ti.

Fomos os dois, como crianças pobres que éramos, para a Colónia Balnear Infantil de "O Século" ali para os lados da linha de Cascais, passar, creio eu, duas semanas de praia. Não nos conhecíamos antes desse encontro e, na colónia, só era possível estarem juntos os meninos e meninas, durante o tempo em que estávamos na praia.

Logo no segundo ou terceiro dia, este menino, tímido como era, e pouco dado a grandes confraternizações por falta de prática, entretinha-se a brincar perto do deslizar do último suspiro das pequenas ondas do mar, construindo um tosco castelo de areia. De repente, surgiram uns pequenos e delicados pés, junto da construção, claramente parados como que esperando a minha reacção. Claro que levantei a cabeça, julgo que de olhos um tanto assustados, para ver quem parecia dispor-se a invadir-me o terreno. E que vejo eu?

Uma maravilhosa menina, de cabelo negro apanhado em rabo-de-cavalo, olhos verdes como o mar e um sorriso maravilhoso que lhe faziam a cara ainda mais bonita. Não me lembro de te olhar o resto do corpo, naquela idade, só os rostos têm importância.

Olá! - Disseste tu, com a tua voz melodiosa que me pareceu a de um anjo.

Olá! - Respondi eu, creio que a modos que meio engasgado.

Posso brincar contigo? - Perguntaste.

Podes. - Respondi eu, meio atarantado não acreditando na minha sorte.

E pouco mais dissemos para além de palavras soltas sobre a maneira de construir o castelo e o rego de areia para deixar lá entrar a água do mar. Toda a santa tarde durou a brincadeira. No fim, quando nos chamaram para formarmos em filas separadas e regressarmos às instalações da Colônia. Levantamo-nos e dirigimo-nos para lá, lado a lado. Então, tu pegaste-me na mão e lá fomos até ao pé das monitoras, de mão dada.

Tu. Com a maior naturalidade e à vontade deste mundo. Eu, com o coração aos pulos e as bochechas mais encarnadas que um tomate. É, os homens começam muito cedo a baralhar as coisas.

E esta cena repetiu-se pelos dias seguintes. O resto da miudagem, principalmente os rapazes, já diziam que éramos namorados. Mas nós nunca falamos nisso. Eu estava feliz de mais para me arriscar a estragar tudo com uma conversa que poderias não aceitar como boa, para além de não ter realmente coragem para tanto, e tu, claramente satisfeita com o companheiro de brincadeira, parecia que nem se quer te vinha à ideia o que pudessem pensar da nossa convivência.

As monitoras, sempre atentas a estas coisas, seguiam-nos com olhares vigilantes, sem nunca terem qualquer intervenção. Entre elas, conseguia eu captar, trocavam sorrisos e palavras em tom baixo, apontando-nos mais com gestos de cabeça do que com as mãos. Não sei se tu reparavas nisso, mas eu, bem mais envergonhado, não podia deixar de o fazer.

Na verdade, penso que, para alem de acharem graça à nossa convivência, também estavam satisfeitas com o nosso tipo de sensata e calma brincadeira.

Claro que eu estava apaixonado, ainda não sabendo bem o que isso era, só sabia que, mal acordava, o primeiro pensamento era para ti, depois, no refeitório, não descansava enquanto não te via, e se por acaso os nossos olhares se cruzassem, lá aparecia o teu sorriso e o meu rubor de mariquinhas era sempre a resposta atrapalhada. Penso que após alguns dias, já tu te divertias por me ver corar por tudo e por nada e que, a pouco e pouco, foste dando conta do meu enleio meio pateta.

Quando chegávamos à praia, raramente não corríamos na direção um do outro. Mas às vezes, as tuas companheiras, puxavam-te para uma brincadeira de meninas, como saltar à corda ou dançar em roda. Aí, lá ficava eu sentado na areia olhando-te com o ar mais infeliz do mundo e esperando que te decidisses a vir ter comigo. Por fim, lá vinhas, e lá dávamos inicio a um jogo de três pedras ou do macaco, ou ainda à construção de mais um castelo de areia que nunca ficava pronto.

Foram dias felizes. Que guardei para sempre na memória. Quando chegou a altura de partirmos da Colônia, no meio da barafunda, perdi-te de vista. Corri como louco à tua procura, mas já só te vi dentro da camioneta da GNR que nos vinha buscar para nos levar de volta à cidade. Acenamos um ao outro um adeus. O teu, sorridente e descontraído, o meu, mais triste e tenso. Tu regressavas à tua família, eu nem por isso. Talvez as diferenças estivessem mais aí do que na separação.

Mas a verdade é que não te esqueci. Sempre me lembrei de ti e esperei o ano seguinte com alguma ansiedade de voltar à Colônia. E voltei.

Por mero acaso, a minha camioneta foi a primeira a chegar, pelo que pude assistir ao desembarque de todas as meninas.

Não te vi entre elas. Não voltaste à Colônia nesse ano, ou voltaste noutro turno. E as minhas estadias na praia, nunca mais foram as mesmas.

Como sabes, nunca falamos de amor, nem sequer de namoro ou de amizade. Mas a verdade é que sempre que alguém me pergunta qual foi o meu primeiro amor é sempre a tua imagem que me surge na mente. Não haverá portanto dúvidas, foste realmente o meu primeiro amor.

Porque te escrevo agora esta carta, passadas tantas décadas das nossas vidas?

Porque me apeteceu que soubesses que foste o meu primeiro amor.

Espero que agora, junto dos teus filhos ou netos, que de certo terás, ao leres esta carta, sejam as tuas faces que se ruborizem não de pudor, mas resultado de um calorzinho que o coração sempre nos faz sentir, quando alguém diz que gosta de nós.

E se ao chegares ao fim da leitura desta carta, e esses teus olhos verdes cor do mar brilharem como antigamente, e os teus lábios sorrirem com a ternura de uma criança. É bem capaz de algum dos teus netos ou netas, aproveitem a deixa, para te pedirem que lhes contes uma história. Se assim for, conta-lhe a nossa. A de um menino triste e tímido que um dia se apaixonou por uma menina de olhos verdes cor do mar.

Fica em paz minha querida, até que as nossas duas crianças tenham nova oportunidade de se reencontrarem, neste ou em outro Universo, onde o amor e a amizade, de certo que terão sempre lugar cativo.

VF



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Você faz parte daqui