PROSAS EM VERSOS

SER POETA, É SENTIR AFLORAR DA PELE SENSIBILIDADE, É OUVIR O GRITO DOS QUE NADA DISSERAM, É VER POR UMA GAMA DE CORES INVISÍVEIS À MACROSCÓPICA VISÃO DOS INSENSÍVEIS, É PENETRAR IMPIEDOSAMENTE À ALMA HUMANA.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Um dedo de prosa com a solidão




Orlando Costa Filho




__ Ora veja! Quem chega pra um café?
A esperada e doce solidão!
Deixa eu servir-lhe, fiel amada!
Tenho um jogo de louças que adquiri ali
na Dadalto, a 9,90, meia dúzia, xícaras e pires
com os honorários que recebo pelo duro labor
digitando petições, compulsando códigos, alegando razões
e às vezes conseguindo até sentir algo frio
atingir a temperatura mínima do amor!

Não, não se preocupe, se cair eu varro os cacos,
passo um pano molhado
e pronto.
Igual como faço quando o mesmo acontece
com as minhas taças que quase transbordam
de sonhos e projetos espumantes...

Aquelas que sobram
no dia que eu quiser diversão
atiro-as contra as paredes da insensatez...

Sente-se – puxo a cadeira – e fale-me:
tem ido pra cama com muitos amantes?
Hoje não tem desculpas, você é minha
e a quero com muita intensidade, calor e afeto
ainda que efêmeros.

O celular já está no silencioso,
quanto às luzes, o blackout dá um jeito,
até mesmo porque só as dos cigarros que fumarei
poderão denunciar nossa presença em casa
se após cada gozo que venhamos a ter
chegarmos à janela.
Ademais, com você, não há ranger de cama
a chacoalhar a paz do vizinho (ou mesmo excitá-lo)!

Hoje, ninguém a roubará de mim!
Estou com saudade das suas unhas
vem, dedilha as cordas da minha nuca
e delas extraia Noturno, op. 09 nº 02 de Chopin...
Pela manhã, - já o sabemos -, nosso mútuo delicado
e providencial pé na bunda.
Bem sei, solidão é mulher fugidia, pois entende que a vida
a poesia
pulsam pelas avenidas do manicômio urbano...

__ Amado e infiel Orlando,
Bem sabe que não tolero homens de mim dependentes
...a mim apegados!
Na verdade, tempero sua noite,
todavia, não o quero além de aqui e agora.
Eu? Efêmera? Você me usa,
abusa, e depois, some e me deixa a ver navios
de papel, cheio de versos fora do prazo de validade
ganha a noite e dança até encharcar a camisa
de suor e vinho
ao som de Day Tripper e Born to Be Wild e,
vivido que é, sabe que amanhã
Here Comes the Sun...

Eu fico ao derredor, aguardando uma reles oportunidade
pra abater-lhe o olhar, roubar-lhe o brilho,
enfim, do seu humor me apoderar...
Ainda assim, quando penso que não,
vejo-me escravizada, dando asas a seus caprichos:
reflexão...
autoconhecimento...
introspecção...

Nada obstante, eu vivo
perambulando por sua orla
orlando...
mas feliz, confesso
por saber que voce sabe a hora certa de bem usar-me,
por sinal com muito charme
submete-se sorrateiramente, sem alarde
à minha inescapável autoridade
e inestimável benevolência oculta à primeira vista!

Afinal
Sou sua amante? Amiguinha? Puta?
Me tem por um tempo não mais que exíguo, pois
seus olhos brilham tão logo
o meu batom vermelho de raiva e ciúmes
me convence a deixá-lo
antes que você mesmo o faça
assim que o dia deflagra suas primeiras luzes ...

Você é homem
do tipo que quando reage
eu e outros parasitas que o cobiçam
simplesmente somem...
você é vento nordeste
a dissipar as nuvens sinistras: nós...

Além do mais
traz consigo um mar que serenamente
apaga-me dos seus versos
há pouco escritos nas areias das praias
do seu coração.

ocf

Castelo/ES, 12 de maio de 2010

Um comentário:

  1. Valeu, amigo. Sinto-me honrado com essa publicação. Recebo-a como uma homenagem. Abraços!

    ocf

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