PROSAS EM VERSOS

SER POETA, É SENTIR AFLORAR DA PELE SENSIBILIDADE, É OUVIR O GRITO DOS QUE NADA DISSERAM, É VER POR UMA GAMA DE CORES INVISÍVEIS À MACROSCÓPICA VISÃO DOS INSENSÍVEIS, É PENETRAR IMPIEDOSAMENTE À ALMA HUMANA.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

O VELHO MESTRE

Ligia Diniz

 – (R. Barreto)

Andava mui doente o velho professor.
Por isso ele não tinha agora o mesmo ardor
Que outrora possuía, e que o animava dantes.
Às vezes, quando em aula, havia mesmo instantes
Em que inclinava a fronte, aquela fronte austera,
Onde já desbotara a flor da primavera
E cochilava um pouco, involuntariamente.
O velho professor andava mui doente.

Era, porém, tamanho bem que nos queria
Que jamais quis pedir aposentadoria
E manter-se do Estado à custa desta esmola.
Era sempre o primeiro a chegar à escola
Com suas joviais maneiras tão simpáticas,
Não obstante sentir umas dores reumáticas
Que o faziam sofrer muito ultimamente.
O velho professor andava mui doente.

Um dia ele chegou mais tarde alguns momentos,
Trazia nas feições sinais de sofrimento,
A palidez do rosto, os olhos encovados
Denunciavam seus pesares ignorados
E, como para tornar aquela dor mais manifesta,
Cravara-se fundo uma ruga na testa
E franzia-lhe o rosto uma expressão de horror.
Andava mui doente o velho professor.

A aula começou, mas pouco depois das onze
O velho mestre, o bom trabalhador de bronze,
Que já perto de trinta anos ou mais havia
Que o gigantesco herói lutava dia-a-dia
Para o bem da Pátria e para o bem da infância,
Dando batalha ao vício e combate à ignorância,
Sentindo de súbito de uma dor os agudos abrolhos,
Curvou as nobres cãs, cerrou de leve os olhos.

Fora fulgia o sol. A manhã era calma,
Risonha, a natureza abria sua alma
Repleta de alegria e cheia de esplendores.
Pela janela entrava o hálito das flores,
Em toda atmosfera azul, lavada, fina,
Ressoava baixinho como em surdina
Um canto celestial, harmonioso e suave,
Anjos cantando em harpa alguma canção de ave.

Nisto ergueu-se um aluno, um pândego, um peralta,
Fabricou de um jornal um chapéu de copa alta
E bem devagarinho… Oh! Que idéia travessa,
Chegou-se ao mestre e… zás! Enfiou-lhe na cabeça
E rápido se foi de novo ao seu lugar.
O mestre nem abriu o sonolento olhar.
E aquele aspecto vil de truão de improviso
Rebentou pela classe estardalhante riso.

De súbito, surgiu o diretor na sala.
Desmudou-se-lhe o gesto, estremeceu-lhe a fala
Quando ele, transformando a mansidão de boi
Em fúria de leão, nos perguntou: quem foi,
Quem foi este vilão que fez tal brejeirice
Sem respeito às cãs desta velhice?
Vamos lá, sede leais, verdadeiros e francos
Dizei, quem ofendeu esses cabelos brancos?

Mas ninguém denunciou da brincadeira o autor
E como um “clown” dormia à mesa, o velho professor,
O diretor então chegou à mesa;
Via-se-lhe no rosto o incômodo, a surpresa
De que o sono do mestre assim se prolongasse.
Curvou-se e, meigamente, levantou-lhe a face
Mas recuou tremendo, horrorizado, absorto,
Aniquilado e mudo…o mestre estava morto.

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