PROSAS EM VERSOS

SER POETA, É SENTIR AFLORAR DA PELE SENSIBILIDADE, É OUVIR O GRITO DOS QUE NADA DISSERAM, É VER POR UMA GAMA DE CORES INVISÍVEIS À MACROSCÓPICA VISÃO DOS INSENSÍVEIS, É PENETRAR IMPIEDOSAMENTE À ALMA HUMANA.

quinta-feira, 12 de julho de 2012

O Fim Das Coisas







Claudio Caldas Faria





Pode o homem bruto, adstrito à ciência grave,
Arrancar, num triunfo surpreendente,
Das profundezas do Subconsciente
O milagre estupendo da aeronave!

Rasgue os broncos basaltos negros, cave,
Sôfrego, o solo sáxeo; e, na ânsia ardente
De perscrutar o íntimo do orbe, invente
A lâmpada aflogística de Davy!

Em vão! Contra o poder criador do Sonho
O Fim das Coisas mostra-se medonho
Como o desaguadouro atro de um rio...

E quando, ao cabo do último milênio,
A humanidade vai pesar seu gênio
Encontra o mundo, que ela encheu, vazio!

Augusto dos Anjos

Lettera amorosa



Mô Schnepfleitner




Respiro o teu corpo: 

sabe a lua-de-água 
ao amanhecer, 
sabe a cal molhada, 
sabe a luz mordida, 
sabe a brisa nua, 
ao sangue dos rios, 
sabe a rosa louca, 
ao cair da noite 
sabe a pedra amarga, 
sabe à minha boca. 

Eugênio de Andrade





Supremo enleio



Maria Salete Ariozi



Quanta mulher no teu passado, quanta!
Tanta sombra em redor! Mas que me importa?
Se delas veio o sonho que conforta,
A sua vinda foi três vezes santa!

Erva do chão que a mão de Deus levanta,
Folhas murchas de rojo à tua porta...
Quando eu for uma pobre coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta!

Mas eu sou a manhã: apago estrelas!
Hás de ver-me, beijar-me em todas elas,
Mesmo na boca da que for mais linda!

E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Será o meu que hás de encontrar ainda...

Florbela Espanca,
1894-1930

Chora solidão



Maria Salete Ariozi



Dos céus as gotas lacrimejantes,
essências florais da noiva que alçou voo
Liberta, quase incólume da prisão,
não sem cicatrizes na alma, cotidiano
viver na vastidão do sombrio quarto.

Sonhar vão...

Nos dias ensolarados a vermelhidão
castigando a pele alva e macia
da donzela de cabelos ruivos,
olhos luminosos esverdeados,
lume do âmago abençoado.

Tormento e paixão...

Invernais ventos soprando do mar
A calcinar ossos quebradiços
Enregelar almas esmaecidas
Espirais transparentes transpassando
corpos nus de débeis criaturas

Extrema unção...

Distante ermida, sinos plangentes
Uivos de cães perdidos na noite
Açoites do tempo, cicatrizes profundas
Paixões adormecidas do outro lado
de carcomidos e embaçados espelhos

Chora solidão...


Maurélio Machado

Eu


Maria Salete Ariozi




Eu sou a que no mundo anda perdida, 
Eu sou a que na vida não tem norte, 
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte 
Sou a crucificada… a dolorida… 

Sombra de névoa ténue e esvaecida, 
E que o destino amargo, triste e forte, 
Impele brutalmente para a morte! 
Alma de luto sempre incompreendida!… 

Sou aquela que passa e ninguém vê… 
Sou a que chamam triste sem o ser… 
Sou a que chora sem saber porquê… 

Sou talvez a visão que Alguém sonhou, 
Alguém que veio ao mundo pra me ver 
E que nunca na vida me encontrou! 

Florbela Espanca - Livro de Mágoas


Algumas Reflexões Sobre a Mulher



Mô Schnepfleitner



Elas são as mães:
rompem do inferno, furam a treva,
arrastando
os seus mantos na poeira das estrelas.

Animais sonâmbulos,
dormem nos rios, na raiz do pão.

Na vulva sombria
é onde fazem o lume:
ali têm casa.
Em segredo, escondem
o latir lancinante dos seus cães.

Nos olhos, o relâmpago
negro do frio.

Longamente bebem
o silencio
nas próprias mãos.

O olhar
desafia as aves:
o seu voo é mais fundo.

Sobre si se debruçam
a escutar
os passos do crepúsculo.

Despem-se ao espelho
para entrarem
nas águas da sombra.

É quando dançam que todos os caminhos
levam ao mar.

São elas que fabricam o mel,
o aroma do luar,
o branco da rosa.

Quando o galo canta
Desprendem-se
para serem orvalho.

Eugênio de Andrade


Distância


Aníbal Bastos




Há quem diga que a distância,
Faz abrandar as paixões;
Tira da flor a fragância
Que perfuma os corações!

Que põe fim às ilusões,
Que mata a felicidade!
Isto são opiniões,
Mas não a voz da verdade!

Porque na realidade,
Quando se ama a valer,
No coração a saudade,
Mais o amor faz crescer!

E nesta forma de querer,
Apesar de estar distante,
Sente o seu sangue a ferver,
Cada hora, cada instante!

Como sonha o amante,
Ter a amada nos seus braços,
Num olhar doce e brilhante,
Entre beijos e abraços!

Sem ter lugar os espaços,
De sentimentos menores,
Porque no amor os laços,
Prendem para sempre os amores!

Embora se sintam dores,
Ter o ser amado ausente,
Também no jardim as flores,
Nem sempre dizem: -Presente!

Mas se o coração sente,
Do seu amor a fragância,
No peito está permanente,
Por maior que seja a distância!

A. Bastos (Júnior)

Eu Preciso


Josemir Tadeu Souza




Não quero fenecer enfeado,
imerso em brumas.
Engaveto minhas veleidades.
Insiro-me às lacunas,
e preencho-as...
nada em mim pode ficar vazio.
Não quero me tornar uma mentira enfatuada.
Não quero inserir-me em falcatruas...
minhas verdades são críveis,
são cristalinas, acessíveis.

Não quero caminhar a esmo
como caminham os loucos soltos
e imersos em espasmos de lucidez.
Não quero deixar aflorar em mim,
a flacidez... a esqualidez.

Quero romper com minhas falencias.
Quero cobrir-me com o manto da essência,
quero enfim, com sublime insistência,
ser feliz, pois que preciso...

josemir(aolongo...)

SIMONE RIBEIRO - Tema = NUVENS




Simone Ribeiro
Nuvens



Passo o dia a olhar este céu
de nuvens de multi formas
mil cores e muitos amores....

Nuvens de várias cores
que traz em seu interior
as lágrimas de muitos amores
dores de muitos senhores
choros de muitos trabalhadores!

Agora cai a chuva...

De onde será que vem estas lágrimas?
De muitos que sofrem e que amam...

A muitos trará alegrias
e a muitos decepções....

Mas limpa nosso ar...
Rega nossas terras...
Fortalece nossas plantas...

Prefiro ver sempre como lágrimas de muitos amores e dores de corações sofridos!

Autoria: Simone Ribeiro.

Caravelas




Claudio Caldas Faria




Cheguei a meio da vida já cansada
De tanto caminhar! Já me perdi!
Dum estranho país que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.

Tanto tenho aprendido e não sei nada.
E as torres de marfim que construí
Em trágica loucura as destruí
Por minhas próprias mãos de malfadada!

Se eu sempre fui assim este Mar-Morto,
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram.

Caravelas doiradas a bailar…
Ai, quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei à vida, e não voltaram!…

Florbela Espanca - in Soror Saudade

Rimas Aflitas


Angela Mendes




O escurecer da noite dando
heresias nos sonhos,
bicas revelando restos de chuva.
Avesso à vida,
eu retalho fotografias.

Vontade de explodir em silabas,
criar linguagens passageiras,
adormecer em seus olhos ingênuos
desfragmentados...

O desespero da noite
sendo trampolim ao desconhecido,
o coração é quem dita
cartas de amor com rimas aflitas.

Se eu pudesse
decidir meu atenuante
eu me arrancava de ti
sem requerer partilhas

Se eu pudesse
abrir o peito encharcado de dor
escoar as palavras não ditas
eu poderia, quem sabe...
reagir.

Marcos Tavares

Louvor à Unidade




Claudio Caldas Faria





Escafandros, arpões, sondas e agulhas
Debalde aplicas aos heterogêneos
Fenômenos, e, há inúmeros milênios,
Num pluralismo hediondo o olhar mergulhas!

Une, pois, a irmanar diamantes e hulhas,
Com essa intuição monística dos gênios,
A hirta forma falaz do aere perennius
A transitoriedade das fagulhas!"

- Era a estrangulação, sem retumbância,
Da multimilenária dissonância
Que as harmonias siderais invade.

Era, numa alta aclamação, sem gritos,
O regresso dos átomos aflitos
Ao descanso perpétuo da Unidade!

A. dos Anjos

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