PROSAS EM VERSOS

SER POETA, É SENTIR AFLORAR DA PELE SENSIBILIDADE, É OUVIR O GRITO DOS QUE NADA DISSERAM, É VER POR UMA GAMA DE CORES INVISÍVEIS À MACROSCÓPICA VISÃO DOS INSENSÍVEIS, É PENETRAR IMPIEDOSAMENTE À ALMA HUMANA.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Pássaro enigmático (Jorge Morais)





pássaro enigmático
voo preparado
presa á espera
braços feito asas
penas declaradas
ninho exposto
cama bem feita
da fêmea espreita
que crias quer
prolongar a prole
de rapina se torne
abutre feito
porque presas precisa
que bicos reclamam
com fome
e filhotes crescidos
pássaro volta
plana no ar
na expectativa
de nova estirpe criar

jorge morais

Meu Amor



Maria Salete Ariozi



De ti somente um nome sei, amor. 
É pouco, é muito pouco e é bastante 
Para que esta paixão doida e constante 
Dia após dia cresça com vigor! 

Como de um sonho vago e sem fervor 
Nasce uma paixão assim tão inquietante! 
Meu doido coração triste e amante 
Como tu buscas o ideal na dor! 

Isto era só quimera, fantasia, 
Mágoa de sonho que se esvai num dia, 
Perfume leve dum rosal do céu... 

Paixão ardente, louca isto é agora, 
Vulcão que vai crescendo hora por hora... 
O meu amor, que imenso amor o meu! 

Florbela Espanca

Menina (Ligia Shlochmann)



Ligia Shlochmann




QUANDO CHEGASTES
TROUXESTE A EMOÇÃO
O CHORO, A ALEGRIA.
TRAZIAS CONTIGO..
A LUZ DE UMA LAMPARINA.
AH...MENINA CRESCESTE
ADORAVAS CORRER 
PELA CAMPINA....
SEMPRE ILUMINADA
TAL COMO O SOL 
QUANDO DESPONTA 
ESPLENDIDAMENTE
ABRINDO O DIA NA COLINA.
FOSTES EMBORA, VIRANDO A ESQUINA,
VIRANDO A PÁGINA DE TUA
VIDA......MENINA...

Ligia Shlochmann.
inv/set/2012.

Lágrimas Ocultas



Maria Salete Ariozi



Se me ponho a cismar em outras eras 
Em que ri e cantei, em que era querida, 
Parece-me que foi noutras esferas, 
Parece-me que foi numa outra vida ... 

E a minha triste boca dolorida, 
Que dantes tinha o rir das primaveras, 
Esbate as linhas graves e severas 
E cai num abandono de esquecida! 

E fico, pensativa, olhando o vago ... 
Toma a brandura plácida dum lago 
O meu rosto de monja de marfim ... 

E as lágrimas que choro, branca e calma, 
Ninguém as vê brotar dentro da alma! 
Ninguém as vê cair dentro de mim! 

Florbela Espanca, in "Livro de Mágoas"

Filha (Ligia Shlochmann)



Ligia Shlochmann




COMO ÉS QUERIDA,
PEQUENINA JÁ ERAS
UMA LINDA BAILARINA
A PONTAS DE UMA
SAPATILHA.........
GIRAVAS NO PALCO
DANÇANDO A PÉROLA
DE SEVILHA.
AMADA FILHA..
SÓ NOS DESTE MUITAS
ALEGRIAS......
E CONTINUA....
SENDO A CARTILHA
DE NOSSOS DIAS.
NUNCA SE ESQUEÇAS
QUE DE JÓ TAMBÉM ÉS FILHA.

Ligia Shlochmann.
inv/set/2012.

Cinza Negra (Aníbal Bastos)




Aníbal Bastos




Há quem semeie miséria e dor,
Quando sentados na cadeira do poder,
Porque a outros maiores prometem ser,
Cães de guarda fiéis ao seu pastor!

Paira no ar um cheiro ameaçador,
Cinza negra que se quer reacender
E sem câmaras de gás tentar fazer
Que se regresse ao reino do terror!

Entre os fortes procuram aliados
E nos fracos humilde submissão,
Servindo-se de políticos falhados!

Orgulho ferido, ódio profundo,
Para vingar da guerra a humilhação,
Doutra forma tentam dominar o mundo!

A. Bastos (Júnior)

Estão Aqui



Maria Salete Ariozi




Hei-de chamar aqui como se aqui estivessem.
Irmãos:sabei que a nossa luta
continuará na terra.
...
Continuará na fábrica,no campo,
na rua,na salitreira.
Na cratera do cobre verde e rubro,
no carvão e na sua horrível gruta.
Nossa luta está em toda a parte,
e em nosso coração,estas bandeiras
que presenciaram vossa morte,
que se empaparam bem no vosso sangue
hão-de multiplicar-se como as folhas
da infinita Primavera.

PABLO NERUDA

Plenos poderes



Maria Salete Ariozi



Tão pacientes fomos
para sermos
que anotamos
os números, os dias,
...os anos e os meses,
os cabelos, as bocas que beijámos,
e aquele minuto antes de morrer
deixa-lo-emos sem anotação:
damo-lo aos outros como lembrança
ou simplesmente à água,
à água, ao ar, ao tempo.
E de nascer tão pouco guardámos
a memória.
Ainda que importante e jovial
tenha sido a nossa vida;
e agora não te lembres sequer
do mais pequenos promenor,
não guardate sequer um ramo
da primeira luz.

Sabe-se apenas que nascemos.

Um nó é dado com o fio da vida,
Nada, não ficou nada na tua memória
do mar bravio que ergueu uma onda
e derrubou da árvore uma maçã sombria.

Não tens mais recordações que a tua vida.

Pablo Neruda

Pobres Mendigos



João Adalberto Behr




Vou vivendo dormindo ao frio, e à chuva
Na companhia de outros irmãos mendigos
Na cidade, na estrada ou numa curva
Somos vidas de passados incompreendidos

O céu de dia, ou de noite, é nosso telheiro
Andamos rotos, descalços, e em desalinho
Temos a doença e fome, como companheiro
Esperando p'la morte que chega de mansinho

Andamos por aí, sem enganos
Procurando a beata deitada fora
Contemplamos a natureza que amamos
Vivendo connosco a toda a hora

Cruzamos gentes, que não nos olha
E p'ra elas, nem sequer falamos
Somos um livro que não se desfolha
Guardado em baús há muitos anos

Não passamos de uns pobres mendigos
Em busca de amor, por aqui, e ali
Temos a dor que dói, entre amigos
E só distribuímos o bem, vagueando por aí

Os degraus das Igrejas são o nosso trono
Oferece-nos as noites gélidas como retiro
Deitados em velhos cartões, fazemos o sono
Até que Deus um dia, pare nosso suspiro

fernando ramos

A Verdade



Maria Salete Ariozi



Amo-vos, idealismo e realismo,
Como água e pedra
Sois
Partes do mundo,
...Luz e raiz da árvore da vida.

Não me fechem os olhos
Mesmo depois de morto,
Ainda precisarei deles para aprender,
Para olhar e compreender a minha morte.

Necessito da boca
Para cantar depois, quando não existir.
E de minha alma, meu corpo, minhas mãos
Para continuar a amar-te, minha amada.

Sei que não pode ser, mas desejei-o.

Amo o que não tem mais do que sonhos.

Tenho um jardim de flores que não existem.

Sou decididamente triangular.

Dou pela falta das minhas orelhas,
Mas enrolei-as para as abandonar
Num porto fluvial no interior
Da República da Malagueta.

Não posso mais com a razão no ombro.

Quero inventar o mar de cada dia.

Veio ver-me uma vez
Um grande pintor que vintava soldados.
Todos eram heróicos e o bom homem
Pintava-os no campo de batalha
Morrendo com prazer.

Também pintava vacas realistas
E eram tão extremamente vacas
Que nos íamos tornando melancólicos
E dispostos a ruminar eternamente.

Execração e horror! Li romances
Interminavelmente bondosos
E tantos versos sobre
O Primeiro de Maio
Que agora escrevo apenas sobre o 2 desse mês.

Parece que o homem
Atropela a paisagem
E a estrada que antes tinha céu
Abate-nos agora
Com a sua pertinácia comercial.

Assim acontece com a beleza
Como se não quiséssemos comprá-la
E empacotam-na a seu gosto e maneira.

Há que deixar que a beleza dance
Com os galãs menos recomendáveis,
Entre o dia e a noite:
Não a obriguemos a tomar a pílula
Da verdade como um medicamento.

E o real? Também, sem dúvida alguma,
Mas que nos aumente,
Que nos alongue, que nos arrepie,
Que nos exprima
Tanto a ordem do pão como a da alma.

A sussurrar! Ordeno
Ao bosque puro
Que diga em segredo o seu segredo,
E à verdade: Não te detenhas tanto
Que te endureças até à mentira.

Não sou reitor de nada, não comando
E por isso entesouro
Os equívocos todos no meu canto.

PABLO NERUDA

Ausência



Maria Salete Ariozi



Eu deixarei que morra
em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.

Vinicius de Moraes

A Falta Que Ama




Angela Mendes




Entre areia, sol e grama
o que se esquiva se dá,
enquanto a falta que ama
procura alguém que não há.

Está coberto de terra,
forrado de esquecimento.
Onde a vista mais se aferra,
a dália é toda cimento.

A transparência da hora
corrói ângulos obscuros:
cantiga que não implora
nem ri, patinando muros.

Já nem se escuta a poeira
que o gesto espalha no chão.
A vida conta-se inteira,
em letras de conclusão.

Por que é que revoa à toa
o pensamento, na luz?
E por que nunca se escoa
o tempo, chaga sem pus?

O inseto petrificado
na concha ardente do dia
une o tédio do passado
a uma futura energia.

No solo vira semente?
Vai tudo recomeçar?
É falta ou ele que sente
o sonho do verbo amar?

Carlos Drummond de Andrade

LA JOUISSANCE ET LES DÉSIRS



Claudio Caldas Faria




Aimons, foutons, ce sont des plaisirs
Qu’il ne faut pas que l’on sépare;
La jouissance et les désirs

Sont ce que l’âme a de plus rare.
D’un vit, d’un con et de deux cœurs
Naît un accord plein de douceurs
Que les dévots blâment sans cause.
Amaryllis, pensez-y bien :
Aimer sans foutre est peu de chose,
Foutre sans aimer, ce n’est rien.

Epigrama (de La Fontaine)

Feitiço Matinal - (Basilina Divina Pereira)




Basilina Divina Pereira




O canto dos pássaros fragmenta a manhã
e invade meu sono
com a intimidade que nenhum outro som teria.
Acho que eles bebem a luz
e regurgitam aquelas notas
por serem o argumento mais convincente
para sustentar sua essência.
O dia, enfeitiçado por aqueles sons,
acorda em berço de ouro, floresce
e espalha perfume até a parte mais inatingível da alma.
Lá, na transcendência do ser,
a liberdade é o olho que tece as raízes
de onde voam todos os sonhos.

Basilina Pereira

Paisagem apocalíptica (Jorge Morais)






paisagem apocalíptica
fim anunciado
vidas esventradas
à vida
diabolicamente linda
paisagem
intempéries descontroladas
o mar tudo engole
qual garganta funda
onde tudo desaparece
é o juízo dos juízes finais
o saldar de dividas
o devolver o que do mar é
até a terra enquanto planeta
desaparecerá
e mais tarde
algo virá
que faça engolir a agua
e assim tudo voltará a ser
como haverá sido

jorge morais

Ser Humano



Fatima Pessoa




Ser único
Um mundo solitário
Uma vida, um milagre
Cada ser
Os seus gestos
O seu olhar
O seu sorriso
Cada ser
Os seus sonhos
Os seus medos
A sua voz
Os seus gritos
Cada ser
O seu passado
O seu presente
O seu silêncio
A sua espera
Cada ser
Solidão de ser humano.

Maria Teresa Magalhães

Poeminha Sentimental


Angela Mendes




O meu amor, o meu amor, Maria
É como um fio telegráfico da estrada
Aonde vêm pousar as andorinhas...
De vez em quando chega uma
E canta
(Não sei se as andorinhas cantam, mas vá lá!)
Canta e vai-se embora
Outra, nem isso,
Mal chega, vai-se embora.
A última que passou
Limitou-se a fazer cocô
No meu pobre fio de vida!
No entanto, Maria, o meu amor é sempre o mesmo:
As andorinhas é que mudam.

Mario Quintana

Tenta Esquecer-me



Fatima Pessoa




Tenta esquecer-me… Ser lembrado é como evocar Um fantasma… Deixa-me ser o que sou, O que sempre fui, um rio que vai fluindo… Em vão, em minhas margens cantarão as horas, Me recamarei de estrelas como um manto real, Me bordarei de nuvens e de asas, Às vezes virão a mim as crianças banhar-se… Um espelho não guarda as coisas refletidas! E o meu destino é seguir… é seguir para o mar, As imagens perdendo no caminho… Deixa-me fluir, passar, cantar… Toda a tristeza dos rios. É não poder parar!

Mário Quintana


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