PROSAS EM VERSOS

SER POETA, É SENTIR AFLORAR DA PELE SENSIBILIDADE, É OUVIR O GRITO DOS QUE NADA DISSERAM, É VER POR UMA GAMA DE CORES INVISÍVEIS À MACROSCÓPICA VISÃO DOS INSENSÍVEIS, É PENETRAR IMPIEDOSAMENTE À ALMA HUMANA.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Cada idade tem


Carmen Alice Ribeiro





‎"...Cada idade tem seu esplendor.
É um equívoco pensá-lo apenas como um relâmpago de juventude,
um brilho de raquetes e pernas sobre as praias do tempo.
Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um descubra o
fulgor do próprio corpo.

A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota exclusiva
de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens
tagarelando nas manhãs.

A mulher madura está pronta para algo definitivo.

A boca da mulher madura tem uma indizível sabedoria. Ela chorou na
madrugada e abriu-se em opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela
mesma saiu sozinha para se deixar invadir pela dimensão de outros corpos.
Por isto as suas mãos são líricas no drama e repõe no seu corpo um
aprendizado da macia paina de setembro e abril.

O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história. Inscrições se
fizeram em sua superfície. Seu corpo não é como na adolescência uma pura
e agreste possibilidade. Ela conhece seus mecanismos, apalpa suas mensagens, decodifica as ameaças numa intimidade respeitosa.

Na verdade, talvez a mulher madura não se saiba assim inteira ante seu
olho interior. Talvez a sua aura se inscreva melhor no olho exterior, que a
maturidade é também algo que o outro nos confere, complementarmente.
Maturidade é essa coisa dupla: um jogo de espelhos revelador.

A mulher madura tem esse ar de que, enfim,
está pronta para ir à Grécia. Descolou-se da superfície das coisas.
Merece profundidades. Por isto, pode-se dizer que a mulher madura
não ostenta jóias. As jóias brotaram de seu tronco, incorporaram-se
naturalmente ao seu rosto, como se fossem prendas do tempo.

A mulher madura é um ser luminoso, é repousante às quatro horas da
tarde, quando as sereias se banham e saem discretamente perfumadas
com seus filhos pelos parques do dia. Pena que seu marido não note,
perdido que está nos escritórios e mesquinhas ações nos múltiplos
mercados dos gestos. Ele não sabe, mas deveria voltar para casa tão
maduro quanto Yves Montand e Paul Newman, quando nos seus filmes.

Sobretudo, o primeiro namorado ou o primeiro marido não sabem o que
perderam em não esperá-la madurar. Ali está uma mulher madura, mais
que nunca pronta para quem a souber amar."

Affonso Romano de Sant’Anna

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Você faz parte daqui